Entrevista: Selvagens à Procura de Lei e a arte de mudar

Entrevista: Selvagens à Procura de Lei e a arte de mudar

Entrevista: Selvagens à Procura de Lei e a arte de mudar

Banda faz mergulho introspectivo no mais recente álbum, "Paraíso Portátil"


Foto: Murilo Amancio

Como já dizia Lulu Santos, "tudo muda o tempo todo". A banda cearense Selvagens À Procura de Lei está em constante mutação. Cada disco é uma novidade, com novos recortes, temas e sonoridades. O mais recente, "Paraíso Portátil" é uma viagem interna dos integrantes do grupo, Gabriel Aragão, Caio Evangelista, Rafael Martins e Nicholas Magalhães.

Os respiros e bases acústicas do álbum vão em contramão a urgência avassaladora que rege nossos dias atuais. Os Selvagens trazem respiro e reflexões humanas. "Paraíso Portátil" é o quarto trabalho de uma banda que nunca é a mesma.

Para explicar um pouco mais, Gabriel Aragão respondeu nossas perguntas e colocou em destaque o que o grupo tem preparado para as apresentações ao vivo, afinal os Selvagens sobem ao palco da Casa Natura Musical, em São Paulo, nesta quinta-feira, 05.

Confira a entrevista:

EB: Ouvindo o novo disco de vocês eu percebi algo de muito introspectivo. Para mim é um registro que fala muito sobre dúvidas, desafios e mudanças que todo ser humano está propenso a passar. É mais interno do que externo. Gostaria que vocês explicassem essa camada do disco e também dizer se é certo ter essa impressão geral do disco?
Gabriel: Sim. É o disco mais introspectivo da banda, ainda mais em comparação com o anterior, o "Praieiro", que é mais extrovertido. Se colocar um do lado do outro fica, realmente, o Sol e a Lua. Foi bem intencional nos distanciarmos o máximo da nossa última criação. Somos uma banda que muda muito de um disco para o outro e vai ser da mesma maneira quando gravarmos um próximo álbum.

Esta introspecção foi muito natural, com relação aos temas. É um disco muito pessoal. Quando a gente se reuniu, nos tocamos que estávamos falando de coisas muito parecidas, questionamentos internos, dúvidas, um olhar para dentro mesmo. Vendo tudo que o nosso país estava passando, neste sentido político e social, de muita divisão, um período muito agressivo. Tinha uma expectativa muito grande dos fãs e da gente também de responder de alguma maneira. Mas, a nossa resposta a esta fase conturbada não foi nada agressiva nem violenta, como vocês podem ver. Foi, na verdade, um mergulho para dentro de si, para encontrar uma paz interior. Sem paz você não consegue lutar. Então, basicamente isso que significa o disco. Até quando estamos falando sobre outras pessoas. Tem música sobre depressão, sobre suicídio. Mesmo falando de outras pessoas é meio que tentando calçar os sapatos desses personagens, tentando enxergar o mundo pelo olhar do outro.

"Paraíso Portátil" foi justamente inspirado em uma frase sobre meditação, que é: "quando você aprende a meditar, você carrega dentro de si um paraíso portátil. Uma paz interior que você consegue acessar de qualquer lugar, seja lá como vai estar o mundo.

EB: Nós estamos em uma era em que o tempo passa muito rápido, inclusive na música. Tudo é urgente. Mas "Paraíso Portátil" parece ir em contramão a todas estas urgências, principalmente pelas sonoridades, que soam como um respiro, com mais intensidade por vezes, e quase totalmente acústico por outras. Para vocês, como compositores, como que essa urgência de tempo, de coisas rápidas, efêmeras, interferem no processo de composição e como interferiram para a concepção deste novo trabalho?
Gabriel: Fico muito feliz que isso tenha passado, para poder ter esse tipo de pergunta. Realmente é um disco que vai muito na contramão. Não foi um álbum em que a gente se preocupou, nós não falamos "ah, precisamos de um single", "qual vai ser a música de trabalho?". Na verdade, foi muito difícil escolher a primeira música de trabalho do "Paraíso Portátil". Porque ele não tem essa característica. É um álbum que tem um conceito geral. Estamos tentando trabalhar e fazer clipes com canções que tenham um diálogo legal com vídeos e tal.

Agora, falando mais da sonoridade. Procuramos testar de tudo que não fazíamos. Sair bem da zona de conforto. Usamos muito bateria eletrônica. Por exemplo, em "Sem Você Eu Não Presto", "Sonhos", Não Sou Desse Mundo". Muitos sintetizadores. Toquei sintetizador em todas as músicas. O Rafa e o Caio também executaram o instrumento. Usamos muito violão. As guitarras ficaram mais psicodélicas, com efeitos e modulações. No final de "Eu Não Sou Desse Mundo" colocamos auto-tune, que ficou bem diferentão, moderno.

Mas, esse foi um lado libertador. Da gente testar esses sons. Foi muito legal, porque parecíamos moleques de novo no estúdio. Nos divertimos muito gravando.

Foto: Murilo Amancio


EB: Na faixa título do disco vocês falam que o mundo dá voltas, sobre não ser quem mais era. É claro que tudo muda, mas olhando para o início da banda até o trabalho atual, o que vocês percebem que mais mudou ou mais amadureceu em vocês como banda?
Gabriel: Sinto que somos sempre uma banda diferente, que estamos sempre começando de novo. É uma sensação muito legal, de libertação, de você poder sair em turnê e perceber que tá todo mundo gostando, curtindo as músicas novas. Não necessariamente cantando tudo, mas este olhar de instigação por parte do público, que presta atenção. Porque realmente agora é muito diferente, estamos viajando com violão, três sintetizadores, então parece outra banda.

Sempre foi assim. Na época do "Praieiro" também parecíamos outra banda. Acho que foi um choque quando a galera viu que estávamos fazendo reggae, dance music.  Da mesma maneira agora, no "Paraíso Portátil", me sinto dentro dos Selvagens mas parece uma nova banda também. Isso é o que mais muda, estamos abertos para o novo, dispostos a irmos na contramão. Uma das coisas em ter 10 anos de banda e alguns discos lançados é porque já existe uma expectativa sobre o que define os Selvagens. "Ah, os Selvagens à Procura de Lei são isso". Eu não quer ser isso (risos). Ao mesmo tempo que eu quero que seja natural o nosso som, eu preciso fazer uma coisa diferente por mim mesmo, para sentir que estou fazendo algo diferente. É o que me motiva, na verdade. E motiva todo mundo da banda. Estarmos compondo, escrevendo coisas, temas que nunca falamos.



EB: O disco conta com beats assinados por Paul Ralphes. Por que vocês escolheram o Paul e o quanto ele caracterizou este novo trabalho?
Gabriel: Temos uma relação de longa data com o Paul. Desde 2012, quando ele era o diretor artístico da Universal Music e nos acompanhou no processo de gravação do nosso segundo disco. Ele foi para Fortaleza, assistiu um show e acabou nos contratando. Ele sempre foi um cara muito carinhoso, somos fãs dos discos que ele produziu. Em 2014, fizemos a primeira produção de música com ele, que foi "Bem-Vindo Ao Brasil". Foi bem rápido, mas muito legal.

Em 2018 chamamos o Paul para produzir nosso primeiro álbum ao vivo, que foi o "Na Maloca Dragão". Foi uma experiência incrível, que demonstrou toda a competência do Paul e como ele sabe lidar bem com o tempo e os recursos que estão disponíveis. E isso motivou muito a gente, pois já estávamos fazendo canções novas mas estávamos na dúvida sobre qual seria o produtor para o disco. Depois do DVD ficou muito certo de tentarmos fazer o primeiro disco de estúdio com o Paul Ralphes.

Viajamos para o Rio de Janeiro e gravamos lá. Foi muito legal, em todos os sentidos. Em testarmos todos os instrumentos e, ao mesmo tempo, permanecermos simples, ao contrário do "Praieiro", que gravamos muito, demoramos muito, chamamos muitas pessoas para tocar. Neste disco não, voltamos a ser basicamente nós 4, junto com o Paul, que fez um beat aqui, um backing vocal acolá. No mais, foi um álbum que refletiu todo esse processo de voltar para dentro. Nós 4, com a nossa limitação, mas também com nossa criatividade, executando tudo, todas as linhas de teclado e tudo que você puder imaginar.

EB: A depressão é uma das doenças mais fortes da atualidade e andando pelas ruas vemos mesmo que a coisa tá feia. Eu gostaria de saber de vocês sobre a inspiração sobre a música "Eu Não Sou Desse Mundo"e o quanto os caminhos que o nosso país está tomando influenciou para a criação desta faixa.
Gabriel: Acho que essa foi a música que mais demorei para colocar pra fora, desde a faculdade que eu tento fazer. Estamos com 10 anos de banda, então são 10 anos de música também. Eu estudava direito e jornalismo, tudo ao mesmo tempo. Na faculdade de jornalismo eu li uma matéria que me chocou muito, que se chama A Tragédia de Felipe Klein. Era um garoto que suicidou-se, mas tem uma história incrível por trás, tanto pelo lado da família, que se envolveu com a política do país da época, quanto dos depoimentos dos amigos e as dúvidas sobre quem ele almejava ser como pessoa. Ele foi um dos percussores do body modification no Brasil, tinha muitas tatuagens e cada tatuagem significava muito. Eram tatuagens muito fortes.

Durante muito tempo eu quis fazer uma música que falasse sobre este personagem, mas na verdade focando mais neste tema. Tanto da depressão quanto do suicídio, são coisas que não são fáceis de falar. Deu certo com essa música, por essa inspiração. "Eu não sou desse mundo" era a frase que ele mais falava. A segunda estrofe descreve basicamente as tatuagens dele. Fico muito orgulhoso dessa faixa porque ela não termina na deprê. É um tema muito difícil e é algo que, pra gente que tá aqui, observando esses casos, nunca vamos entender. Então é muito fácil falarmos disso apenas trazendo este prisma da angústia, dessa coisa triste. Não que seja feliz, mas no final da música, buscamos fazer um clima de redenção. Para que não ficasse só nessa coisa pra baixo e pesada, para que, de alguma maneira, essa pessoa se liberte, que esse espírito encontre uma paz. Isto que quisemos passar no final da música.



Em relação aos problemas do país, é porque, quando eu li a matéria, tinha esta questão de ser filho de político e tal. E eu queria muito falar de Brasília de novo. Falamos da cidade em "Mucambo Cafundó", do nosso primeiro disco.

De alguma maneira o público pensa que "Eu Não Sou Desse Mundo" é a única canção política do disco, mas, eu entendo, porque a gente cita Brasília. Inicialmente não tivemos nenhuma intenção de falar sobre política, mas você pode ler a letra e interpretar dessa maneira que também acho muito legal.

EB: É muito interessante que vocês sempre trazem novas coisas, novas referências para os discos de vocês. E este já é o quarto trabalho. Como banda, quais as suas ambições e quais são suas considerações sobre  este cenário da música mainstream brasileira, que é feita hoje praticamente por um só ritmo, o sertanejo?
Gabriel: Eu não tenho muita propriedade para falar sobre este som mainstream. Na minha opinião, deixou de ser sertanejo há algum tempo. Eu ouço as músicas e não entendo muito bem o que elas são, na origem mesmo. Não acho que são composições que estão apegadas a serem sertanejo, forró, ou qualquer ritmo que for. Muitas vezes, têm composições bem legais, tipo "Medo Bobo", que o Rubel regravou e ficou incrível. E tem coisas que você escuta que não são necessariamente sertanejas, que estão também no universo do rock, do pop, mas são coisas que as pessoas escrevem sem ter muita inspiração bonita, sem um sentimento legítimo, mas sim pensando em uma fórmula para aquilo tocar no rádio.

Eu não tenho nada contra o pop. Eu adoro a música pop. Mas a questão de o que estar falando é muito importante para mim. Os Selvagens não abrem mão disso. Nós adoramos ler as letras das músicas e tal. É isso que eu tenho apego.

Fazemos parte de uma geração que está conectada com a internet. Com a liberdade total, com o público, sem restrições. Acho que vai ser cada vez mais assim. Entendo que a nossa geração não foi abraçada, como talvez foi o rock dos anos 80 e 90. Não fomos abraçados pela mídia tradicional. Mas, por outro lado, estamos diretamente ligados ao que realmente é o futuro, que é a internet, que é ouvir o que você quer e não o que os outros estão mandando. Tudo bem não fazer parte do mainstream. Seria legal? Talvez fosse, sim. Como não faço parte disso não tenho muita propriedade para falar (risos).

O que sei é que temos um público muito sincero, sedento por esse estilo de música e é isso que importa.

Foto: Murilo Amâncio

EB: Além das novas canções, quais outras novidades vocês levam para o palco na turnê deste álbum e como que o público tem reagido as novas músicas?
Gabriel: Já fizemos alguns shows bem legais. Fomos para Brasília, Goiânia, Bahia. Está muito legal, acho que realmente foi bem diferente. O segundo single, por exemplo, "Sem Você Eu Não Presto", é bem pop, romântica e moderna. Eu estava ouvindo muito Twenty One Pilots. Foi muito engraçado ver a reação de parte dos fãs, que tinham expectativa sobre o que é o som dos Selvagens. Não dá para criar expectativa sobre uma definição do que são os Selvagens. Vamos sempre estar fazendo coisas novas, diferentes. Eu tenho muito orgulho desse disco.

Acho, também, que hoje em dia as pessoas são muito rápidas para julgar. Existe um tribunal sinistro, no YouTube, nas redes sociais. A galera ouve qualquer obra artística e imediatamente dá sua opinião. Tem coisas que você precisa digerir um pouco mais, escutar mais vezes, ver mais vezes. Muitos discos eu tive que ouvir várias vezes até de fato gostar. Quando eu era moleque adorava Strokes, antes dos Selvagens existir, ouvíamos muito. E quando eles lançaram o terceiro disco eu disse "meu Deus, o que eles fizeram?". E, hoje em dia, é o álbum que eu mais gosto deles.

Essa geração, pela facilidade mesmo em como a música está sendo consumida, no streaming, abre esse tipo de brecha, de ser julgado muito rápido.

Nos shows as pessoas estão vendo toda a nossa pegada. É claro que não tocamos exatamente como é no disco, apesar de estarmos usando muito sample nessa turnê. Mas sempre tocamos um pouquinho mais pesado nas apresentações. Por exemplo, em "Sem Você Eu Não Presto" tem um solo de guitarra que ficou fora do disco. Algo mais Frank Zappa, sabe. E fazemos ao vivo. Tudo fica um tiquinho mais pesado e isso é muito legal, assim como foram em discos passados também.

Está sendo uma surpresa, muito divertido tocar o disco novo ao vivo. Finalmente músicas novas, estávamos ávidos por este momento. Está sendo nitidamente especial essa conexão com o público. Estou muito instigado, em março teremos show todo final de semana e será assim até o final do ano.

Serviço

Lançamento Paraíso Portátil em São Paulo (SP)
05/03 (quinta-feira)
Local: Casa Natura Musical
Endereço: Rua Artur de Azevedo, 2134
Horário: 20h (abertura da casa) - 21h30 (show)

Ingressos:
Pista Lote 1 - R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia). ESGOTADO
Pista Lote 2 - R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia).
Pista Lote 3 - R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia).
Pista Lote 4 – R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia).
Bistrô - R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia).
Camarote – R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia).

Compra física no local (sem taxa).
Compra online (com taxa de convêniencia) via Sympla


Ouça o disco:


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