Foto: Rodolfo Magalhães
Um homem velho pode parecer chato, desdenhoso ou mesmo causar a ideia de arrogância pela forma com que fala. Ao mesmo tempo, o mesmo homem é afetuoso, sábio, amoroso e, claro, tem saudades do que viveu (afinal, o mesmo é um ser humano). A psicologia tende a explicar muito bem as nossas condições humanas, mas você já tentou conversar com seu idoso interior?
Rhaissa Bittar visitou João, velho ranzinza que paira na lucidez de seus desejos e sabedorias. João é, também, o título do novo álbum de cantora, terceiro de sua carreira.
O diálogo com o rapaz de terceira idade é intermediado por composições de diversos autores, em sonoridades minimalistas e que por vezes incitam um certo nó na garganta.
Foto: Rodolfo Magalhães
A sensação de prestígio, o afeto e o amor, em contraste com a solidão, é ilustrada com certo vigor em "Um Dia Útil" (Maurício Pereira). O tsunami de sensações e dúvidas de um cidadão que, segundo a música, é artista, é cantado muito bem sobre um violão quase constante, por horas mais leve e por vezes tocado com mais avidez.
Tal avidez é escassa (o que não implica em um ponto negativo) durante quase todo o disco, principalmente por ser um registro minimal, que passeia sobre o silêncio. A exceção é a canção já citada, além da ressoante "Toda Vez Que Eu Dou Um Passo o Mundo Sai do Lugar" (Siba).
O ápice interpretativo de Rhaissa se dá por meio de "Você Tá Bem?" (Arthur Faria, Daniel Galera). As palavras são exteriorizadas como em uma conversa. A atmosfera densa criada pelos instrumentos leva a sensação de angústia, combinadas em frases tão pessoais diante a uma pessoa que provavelmente está em frangalhos internos e vê, parada, tudo desabar como se estivesse em uma tempestade em que pouco tem a se fazer - a não ser esconder suas particularidades.
“Se você não consegue sentir conforto por mais do que uma hora e doze minutos em qualquer festa ou bar onde esteja em companhia dos mesmos 10 ou 12 amigos de sempre, você tá bem?”, canta a artista.
"Livro Aberto" (Vitor Ramil) é outra faixa que leva aos ouvidos uma sensação angustiante, em especial pela presença de um piano um tanto quanto caliginoso. A letra é totalmente descritiva em questão ao ambiente e expõe divagações que relaciona-se com desejos provavelmente impossíveis para o momento.
"A Maior Ambição" (Juliano Holanda e Zé Manoel), canção que encerra o disco, tem como mote a vontade de ser silêncio. O diálogo com João tem como conclusão que o silêncio (as expansões de pensamentos e visões sem elementos que culminem em alguma interferência externa) pode ser a maior dádiva a ser alcançada, mas não muito exequível, nem para nós nem para o velho João.
"João", o álbum, é um registro muito bem feito e aflora a força de Rhaissa Bittar como excelente intérprete, porém, para ser absorvido, precisa de uma atenção maior do que o normal. Não é um disco para todos os momentos (por vezes pode tornar-se cansativo), mas em meio à quietude e tranquilidade reflexiva tende a ser uma deliciosa pedida.
Cotação: 4/5
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