Entrevista: ultrapassando fronteiras com Lúcio Maia

Foto: Caio Cestari

A América Latina está mais em pauta do que nunca. Nossos vizinhos fazem e vivem a história com seus momentos atuais e a cultura permanece viva; a música, continua tocando. Surfando nas veias abertas latino-americanas, Lúcio Maia, famoso por seu trabalho na Nação Zumbi, lançou um álbum instrumental, cheio de suas influências latinas que carregou desde sempre em sua carreira, mas, agora, em seu novo trabalho, estão totalmente expostas.

Maia, que além da Nação já tocou com Seu Jorge no grupo Almaz e com Marisa Monte, para este disco ganhou a companhia em estúdio de Maurício Fleury, tecladista e guitarrista do Bixiga 70, o baixista Fábio Sá, o percussionista Felipe Roseno, os bateristas Hugo Carranca e Thiago Silva além de Dengue no baixo, parceiro também de Nação Zumbi. Com eles, neste disco homônimo, ganhou forças para fazer música que ultrapassa fronteiras.

"Em minha opinião, os artistas precisam se situarem na música sem fronteiras, sem barreiras, porque na arte não pode existir barreiras. Se fosse assim ela nunca iria se desenvolver, se renovar. Essa renovação acontece porque vem pessoas com outros pensamentos, outras ideias, misturas com outras influências e o negócio vai saindo do lugar, tomando novos espaços da música mundial", diz o guitarrista.

O guitarrista conversou com o Eufonia a respeito de seu novo trabalho e sobre o temas gerais da América Latina. Confira:

EB: Os elementos latinos sempre estiveram em nossas canções, porém podemos dizer que não muito em destaque. Há o fato de nós brasileiros sempre virarmos as costas para os nossos vizinhos. Existe uma onda no mainstream, mesmo que genérica, que tem valorizado o reggaeton, por exemplo. Há artistas também como a própria Anitta, Maluma, Kali Uchis e etc que têm tido um certo destaque por levar músicas do nosso continente para além das fronteiras e oceanos.Você acredita que estes são sinais que estamos começando a valorizar mais a música latina ou é só mais uma artimanha de mercado?
Lúcio: Acho que a música latina, há muito tempo, já adentrou nos Estados Unidos, na Europa não com tanta força e obviamente na América Latina sobrevive há décadas, com os grandes patrimônios, como Cuba, Porto Rico, aquela turma toda. Teve uma cena muito forte, também, de Nova York, na década de 60 ou 50.

Não é de hoje que a música latina está espalhada pelo mundo, o que acontece é que vira e volta vários artistas retornam a trabalhar com ela. O Brasil realmente vira as costas para esse tipo de musicalidade, talvez por causa da barreira da língua, talvez pelo nosso país não achar-se parte da América Latina ou talvez o Brasil seja fechado demais com as próprias coisas, já que tem um território tão grande, uma riqueza, então pode ser que tenha essa condição: 'ah, a gente não precisa incorporar isso pois já temos muitas coisas'. De qualquer forma, a música latina está aqui há muito tempo. Em minha opinião, os artistas precisam se situarem na música sem fronteiras, sem barreiras, porque na arte não pode existir barreiras. Se fosse assim ela nunca iria se desenvolver, se renovar. Essa renovação acontece porque vem pessoas com outros pensamentos, outras ideias, misturas com outras influências e o negócio vai saindo do lugar, tomando novos espaços da música mundial.

Em relação a saber se isso é um golpe do mercado, cara, a gente vive eternamente sofrendo golpes do mercado e não vai parar (risos). A tendência é se manter e aumentar cada vez mais, porém, uma das novas possibilidades é que a internet estreitou todas as condições de você tomar conhecimento do que existe. Provavelmente, o lado negativo dessa geração, desso novo formato tecnológico, é você viver em uma bolha. Mas, olha, se você vive em uma bolha gigantesca, que cabe tanta coisa dentro, acho que tá bom, hein.

Foto: Caio Cestari


EB: O que você tem acompanhado dos protestos na América do Sul, como no Chile e Equador? Qual posição você acredita que o Brasil pode ter nisso e quais suas perspectivas com nossa política?
Lúcio: O que está acontecendo na América Latina é uma nova razão coletiva de que essa tendência conservadora e neoliberal é um verdadeiro fracasso. Principalmente nesses países como o nosso, sabe, que a diferença social tem um abismo muito grande, a má distribuição de renda. É simplesmente incabível, aqui na América do Sul, viver de neoliberalismo. A gente sabe que a tendência é de que quem é pobre fica cada vez mais pobre e quem é rico fica cada vez mais rico. Isso não é justo. Então, essa guinada, novamente para a esquerda, acho que é a tendência do futuro mesmo, a esquerda ficou muito tempo no poder e aí cria essa expectativa de que pode ficar melhor e aí vem toda aquela questão demagoga da direita dizer que está tudo errado. Enfim, Argentina está sinalizando à esquerda, Chile, muito provavelmente aqui no Brasil vai acontecer a mesma coisa que está acontecendo no resto.

Acho até que o brasileiro é muito bundão e covarde, porém tem um lado, no Brasil, que é muito corajoso. Uma facção, eu posso chamar de facção porque ela é muito separada do resto, cidadãos que realmente são patriotas, realmente têm amor pelo país. Não são aqueles que batem panela da varanda da casa ou só fazem protesto de dia de domingo após o almoço. Essa sociedade brasileira, que é a falsa sociedade rica, aquela classe b, que flutua dentro da crise a vida inteira, que se acha rica, essa precisa mudar a cabeça, porque a classe rica não vai mudar nada e eles são muito minoria.

Capa do álbum homônimo de Lúcio Maia. Arte de Alessandra Marfisa


Foram oito meses desastrosos de governo, até agora não vimos nenhum tipo de atitude coerente. Na mão desses neoliberais que a gente está, foi para isso que fizeram todo esse estardalhaço, destruíram o PT, prenderam o Lula sem provas. Eu só sou uma pessoa que fala o que vê por aí, então, acredito muito que houve uma negligência e uma falta de percepção, maturidade de toda imprensa brasileira, de ter entrado na loucura desse golpe. Isso foi uma coisa totalmente fora de controle. Agora está todo mundo tentando conter a avalanche que está sendo desastrosa desse governo.

Eu sabia, há muitos anos, que sai muito caro o governo social, sabe. Sai caro para a elite. Apesar de que a elite ganhou muito dinheiro, ninguém reclama disso. Mas incomodava muito dividir aeroporto, concessionária de carro. Essa elite B, não estou falando da classe A, não.

Aqui no Brasil, a ordem do pensamento é assim: a classe C acha que é classe B, a B acha que é elite e a elite acha que é americana. Vivemos essa vida patética, economia está travada, educação, tudo travado. A cultura, sendo destruída. Em prol de quê?

EB: Este é o primeiro trabalho que você assina como Lúcio Maia, apesar de você ter outros projetos, como o Maquinado. Por que decidiu colocar o seu nome na capa agora?
Lúcio: Eu tive um problema. No começo do projeto, ele se chamava Los 5. A princípio batizaria com esse nome, porém percebemos que existem homônimos. Aqui na América Latina há pelo menos cinco bandas com esse nome. Ficamos muito preocupados com o que fazer e tal e fui incentivado, por parte de pessoas com quem trabalho, e me disseram que seria a forma mais rápida da gente resolver isso. Por isso acabou ficando como Lúcio Maia, não tem uma questão conceitual.

Daí facilitou tudo, até porque o projeto foi idealizado por mim, todo o investimento que foi feito foi de minha parte, mas a questão artística foi super dividida, o Thiaguinho Silva e o (Hugo) Carranca na bateria. O Carlos Trilha e o Maurício Fleury, que tocaram teclado. O Felipe Roseno, que foi o percussionista do disco inteiro, Fabinho Sá e o Dengue, que gravaram baixo. Todos estes artistas colocaram suas digitais e isso foi muito importante para o resultado final do disco.

Foto: Caio Cestari


EB: Como foi o processo de composição deste disco? Você pensou logo de início em dar esta estética voltada às raízes latinas ou isto foi acontecendo em estúdio, com os convidados?
Lúcio: Eu sempre gostei muito de Latin Groove, Cúmbia, essas coisas. Gosto tanto dos velhos quanto dos novos. Foi uma coisa que eu queria trabalhar porque era diferente de tudo que eu já tinha feito. Obviamente, dentro da Nação Zumbi, há muitos momentos em que é perceptível a influência da música latina mas nunca é muito direcionado, sabe. Então foi uma coisa meio bolada mesmo, eu criei essa concepção para fazer esse disco e contei muito com a ajuda do Tom Rocha, baterista da Nação Zumbi e percussionista da Academia da Berlinda. Ele me ajudou com a demo, ali no começo, aí eu montei as ideias, compus os sete temas do disco em uma semana, dez dias, e aí fomos montando. Até o álbum ficar pronto levou em torno de três anos. Foi aos pouquinhos, eu fui só esperando o momento certo para lançar, esperei esse vácuo da Nação Zumbi, estamos trabalhando um projeto novo, um disco novo, então foi ideal lançar isso agora.

É mais uma intervenção artística minha, sou músico que tem compromisso com a música. Preciso sempre estar me renovando, faz parte do meu critério como artista.

EB: Qual a diferença em você trabalhar, no sentido de divulgação, um disco instrumental? É mais difícil levar este tipo de arte para frente ou você sente que o interesse do público seria o mesmo se fosse um álbum com letras?
Lúcio: A música instrumental, até ali anos 80... Nos anos 70 tivemos a música instrumental progressiva, que foi amplamente consumida, inclusive os Mutantes. O "A e o Z" é um disco que tem muitas músicas instrumentais. Mas aí, na década de 80 a música instrumental ficou um tanto quanto maldita, enterrada dentro dos sintetizadores e toda aquela sonoridade plastificada. Perdeu muito a força, nos anos 90 também. Até que nos anos dois mil voltaram a surgir várias bandas, como o Tortoise, uma banda de Chicago que passou a desdobrar o jazz, meio com um rock, influência de punk rock. Eles abriram muitos caminhos. Hoje em dia existem bandas super famosas no cenário da música instrumental.

Eu lancei esse disco sem imaginar que ele seria instrumental, aconteceu. Até tentei alguns parceiros, tentei musicar verbalmente mas não rolou então decide seguir desse jeito e acredito que o resultado ficou muito favorável. É um álbum muito palpável, fácil, palatar. É simples, não voltado para músicos. Compus ele com a intenção de ser uma trilha para o dia a dia, sabe. Para escutar enquanto toma um café, enquanto passeia de bicicleta na rua. É isso.




EB: Há uma versão de "Lithium" no disco. Por que escolheu esta canção do Nirvana e qual sua relação pessoal e afetiva com a banda?
Lúcio: Eu gravei essa música porque, antes de fazer o disco, cheguei a fazer show com as pessoas que gravaram e precisávamos de material para engrossar a apresentação. "Lithium" veio no momento em que eu estava vendo aquele documentário, em 2016, do Kurt Cobain. Me lembro bastante do surgimento do grunge, estávamos também começando, mas não foi uma cena que me pegou tão forte quanto a da rap East Cost. Dr.Dre, Snoop Dog, eu estava pirando mais nessas coisas. Mas curti muito o Nirvana. Me aprofundei mais nas músicas no pós suicídio de Kurt Cobain e vi o quanto incrível compositor e guitarrista ele era. Em 2016 vi o documentário, achei super legal, e "Lithium" caiu meio que no colo. Uma música que tinha um andamento mais parecido, então foi super simples montar o arranjo do jeito que ficou no disco.

O Nirvana foi uma coisa que demorei um pouquinho para conhecer mas que hoje em dia tem uma grande importância, uma banda que é seminal. O Kurt Cobain voltou a mostrar a importância da composição no rock, assim como toda a galera dos anos 90, Seattle, Pearl Jam. Todos estes caras têm uma proposta mais poética, que vinha decaindo nos anos 80. Voltaram a usar aquela guitarrinha velha, a questão da crueza. Menos sintetizadores e mais pedais (risos).

EB: Para terminar, teremos shows deste disco, já projetou algo?
Lúcio: Com certeza, já estamos visualizando uma turnezinha no sul do país agora em novembro. Dezembro tem alguma coisa em São Paulo, depois vou fazer nordeste. Na real eu quero tocar onde me chamarem, o projeto foi feito para isso e estou muito ansioso para que isso aconteça. Esse momento do palco é o grande... tem o playground, que é o estúdio e tem o momento da grande apresentação, que é o ao vivo, então, sem dúvidas, vamos fazer shows.


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