Resenha: Pitty faz viagem biográfica calcada na intensidade em seu novo álbum

Foto: Otávio Souza

Intensidade no cantar, na poesia, no sentir ou em voltar para suas raízes. Assim soa Pitty, do início até quase o fim de "Matriz" (Deck), o seu mais recente álbum de estúdio que tem produção assinada pelo recorrente Rafael Ramos. Autodenominada bicho solto e loba em pele de dama, a cantora baiana durante a sua carreira teve que se domesticar, é verdade. Agora, Pitty, que por intermédio da roupagem rock anos 2000 teve que sair da Bahia, sente-se a vontade para voltar.

"Matriz" é intenso também por ser um disco de rock. Contemporâneo, o registro traz samples de Dorival Caymmi e Raul Seixas logo no início. Em "Motor", a musicista deixa o ímpeto de lado para  invocar a suave poesia de Teago Oliveira (Maglore), que, sobretudo, fala sobre saudades. Sentimento este também presente em "Para o Grande Amor", faixa mais melancólica do disco, cravada como tatuagem (assim como a Bahia e o rock) em homenagem a Peu Sousa, guitarrista e parceiro de Pitty entre 2002 e 2005, morto aos 35 anos de idade, em 2013.

A dançante "Noite Inteira" traz um tom político bem fomentado, incrementado pela forte voz de Lazzo Matumbi quase no final da canção. Se nesta faixa a cantora "baila a noite inteira", em "Roda" Pitty entra no pogo com a Baiana System em mais uma letra política. "A droga da moda muda/ninguém te acode quando o povo julga/A bola da vez é um plano de fuga/Pra não te encontrar na madruga", diz trecho.

O amor entra novamente na moderna "Ninguém é de Ninguém", parceria de Pitty com seu marido Dani Weksler. A música não é uma balada romântica mas diz, sim, sobre a ideia caricata que um relacionamento é construído a partir da posse sobre um ao outro.

Em "Bahia Blues", assim como na vinheta que entra pouco antes da faixa, a baiana mostra que nunca é tarde demais para voltar. Como uma autobiografia, Pitty nos narra costumes religiosos, orgulho por sua terra, a vivência adolescente no hardcore, negação por seu retorno ao ninho baiano e, por fim, a revisita a sua matriz. Foto: Otávio Souza

A intensidade de Pitty perde o fôlego no final deste longo álbum. As fortes batidas eletrônicas de "Submersa", junto a longa letra descritiva, causa sensação de cansaço por justamente abusar do vigor tanto explorado neste registro. O disco termina com o reggae psicodélico "Sol Quadrado", uma parceria com Larissa Luz. A leve jocosidade da faixa pouco se conecta com o restante do álbum.

Pitty entrega em "Matriz" o que há de mais conceitual. Uma viagem biográfica, com origens, questionamentos, política e muito rock. Pelo qual descreve na faixa inicial, a cantora tem razão. És bicho solto, mais do que nunca. Ainda bem que temos uma artista assim, que se reinventa e goza de sua liberdade para isto.

Cotação: 4/5



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