Entrevista: Matheus Brant explora o romantismo com base no pagode em "Cola Comigo"

Foto: Jorge Bispo

Sedução, provocação ou paixão. Características marcantes do pagode, gênero musical ainda visto com preconceito, principalmente por ter um caráter mais popular e provir da periferia, são sintetizadas no novo álbum de Matheus Brant, "Cola Comigo". O disco, espelho de relações atuais, vai desde o se apaixonar até a concretização de um relacionamento.

Matheus mergulha na linguagem do pagode desde a fomentação de uma trilogia de álbuns, iniciada com "Assume Que Gosta" e que chegou ao seu segundo volume agora, com o já mencionado "Cola Comigo". Brant ainda é influente por estar a frente do Bloco Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro. Confira a entrevista com o cantor:

EB: A partir de quando você teve um contato com o pagode e por que decidiu incorporar o gênero em suas canções? 
Matheus Brant: Mais intimamente, meu contato com o pagode se deu com a criação do Bloco Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro. Aliás, considero que essa ideia que tive de criar um bloco com repertório, exclusivamente, de pagode decorreu, justamente, de uma abertura estética que experimentei e que me fez ter um olhar mais atento a gêneros populares como o arrocha, sertanejo universitário, marchinha, axé e, também, o pagode.

Foto: Divulgação

EB: O pagode é encarado, em especial pela mídia, ainda com muito preconceito. Você enxerga que isto tem mudado nos últimos tempos, continua na mesma ou tem piorado? Pra você, por que este preconceito acontece?
Matheus: Somos uma sociedade muito preconceituosa em vários aspectos e o preconceito contra pagode não foge à regra. Ao lado do funk, trata-se de gênero identificado com o pobre, negro de periferia ou favela e isso basta para que seja alvo das mais absurdas críticas cuja expressão tem ganhado mais força no contexto de um governo declaradamente racista, como o atual.

EB:"Cola Comigo" é um disco romântico, mas há uma abordagem diferente nas letras. Um dos exemplos é a música "Juntos", com intervenção da Thais Macedo. Como foi compor esta canção? De certa forma, ela fala sobre aquela ideia do homem ter a posse sobre a mulher. Como homem, como foi refletir sobre isto?
Matheus: Eu havia feito uma música em que a personagem feminina dizia assim: “eu me sinto tão sua/meu corpo flutua/quando você me beija me faz um carinho/tocando o meu rosto/a ponta do seu dedo afasta o meu cabelo”. Mostrei para uma amiga que comentou chamando minha atenção para o fato de que mulher nenhuma pertence ao homem. E, ainda que a posse referida na letra fosse num sentido figurado, a mera sugestão dessa ideia já se mostraria equivocada, deslocada no tempo. Por isso fiz “Juntos” num esforço pessoal de atualizar minha tentativa de compor a partir da perspectiva feminina.

EB: "Doce Feroz" é uma música que fala sobre as relações amorosas por intermédio da internet. Em uma relação, no que a internet e os aplicativos mais ajudam e mais atrapalham? 
Matheus: Ajudam quando são responsáveis por conectar, aproximar pessoas. Atrapalham quando as expõem excessivamente não deixando espaço para a dúvida, o mistério, a ambiguidade, a sugestão, aspectos essenciais à paixão, à conquista, ao cortejo.

EB: Ao todo, o seu novo disco tem um time relativamente grande de compositores (Thiago Delegado, Vinicius Ribeiro, Nath Rodrigues, Lucas Fainblat e Natália Matos). Como que foi para você escolher esta galera e encaixar no projeto estético que você desejava?
Matheus: O Vinicius Ribeiro, com quem compus 5 das 10 músicas do disco, foi um encontro muito feliz porque ele tem a habilidade de compor na linguagem das melodias do pagode atual, muito influenciado pela música negra americana. A Nath Rodrigues, a certa altura, fez um post chamando atenção para a ausência de mulheres no pagode, fosse cantando, fosse compondo. Comentei no post dela e ela me convidou para compormos uma canção juntos. Daí nos aproximamos e hoje namoramos. 

O Thiago Delegado, compôs um samba ("Garoto Matheus") em homenagem a um caso vivenciado por mim e o Bloco Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro no ano de 2017 quando fomos ameaçados por mensagens agressivas, preconceituosas por levar um bloco de carnaval para as ruas de um bairro de classe média alta em BH. Desde então nos aproximamos e passamos a compor juntos. O Lucas Fainblat é um amigo cujos sambas eu sempre admirei porque muito espirituosos e populares. E a Natália Matos é uma paraense que depois de ouvir meu disco anterior – recheado por parcerias e referenciais do norte – me enviou uma letra da qual gostei demais e se tornou a “Doce Feroz”. Já estou com outra letra dela para uma nova parceria.

EB: O César Lacerda assina a direção artística do álbum. O quanto foi importante a intervenção dele neste trabalho?
Mathues: Coube ao César a importante tarefa de definir a linha estética do álbum como sendo pagode. A princípio o disco era para ser de cumbia e reggaeton, mas ele viu que eu havia composto mais pagodes do que outros gêneros nos últimos dois anos, o que, ao lado da existência do Bloco Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro, fazia com que fosse mais natural dedicarmo-nos ao pagode. O César e também o Fabio Pinckowski, produtor musical do disco, compartilham comigo da ideia estética central presente nesta trilogia que começou com o Assume Que Gosta: furar a bolha do indie tentando uma aproximação com um público mais amplo enxergando belezas nos gêneros populares.






EB: O pagode é o gênero musical mais romântico?
Matheus
: Não necessariamente. O romantismo é próprio da canção, no sentido de que ela nasceu para falar de amor como é o caso dos trovadores na idade média. O que sempre chamou mais minha atenção no pagode, entretanto, foi sua capacidade de dialogar mais diretamente com as pessoas, traduzindo sentimentos universais para uma linguagem simples, acessível sem perder o lirismo, a poesia de modo a fazer parte da vida das pessoas. Pensei muito, quando estava compondo para este disco, em fazer músicas que uma pessoa pudesse enviar para a outra, como se a música dissesse o que aquela pessoa nao conseguia expressar com palavras. Tudo isso faz do pagode um gênero que conserva uma importante vitalidade que quero muito para minhas canções.


EB: Para terminar, o que vem a seguir? Shows, novos projetos?
Matheus: Muitos shows para divulgar o disco novo, talvez um DVD do bloco Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro e o próximo disco para fecharmos a trilogia.

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