"De repente, pode ser interessante lançar uma música de tempos em tempos antes de um álbum", conta João Barone, dos Paralamas

Foto: Maurício Valladares

Uma das mais cultuadas bandas do rock nacional, os Paralamas do Sucesso não param em nem pensam em parar. O grupo é um dos poucos provenientes dos anos 80 que continuam com a mesma formação e, fora isto, permanecem com a vontade de experimentar e fazer coisas novas.

"A vontade de fazer coisas novas sempre existiu, é uma premissa nossa. Acho que conseguimos orbitar dentro desse nosso universo. A partir do terceiro álbum a gente encontrou uma identidade musical. Na sonoridade e, principalmente, nos discursos do Herbert: nas letras e o que temos a dizer dentro deste universo pop", conta João Barone.

Conversamos com o baterista sobre "Sinais do Sim", experiências do passado e o futuro dos Paralamas. Confira:

EB: Olhando para as bandas que surgiram nos anos 80, praticamente nenhuma se manteve com a formação clássica, a não ser vocês. Depois de tanto tempo de estrada, o que faz vocês permanecerem juntos e ainda terem vontade de fazer coisas novas?
João Barone: É difícil falarmos com muita precisão. É uma espécie de uma mágica mesmo. Desde o início sentimos uma grande afinidade e ao mesmo tempo uma necessidade de experimentar mais, de expandir as nossas capacidades. O João Fera entrou na banda em 86, depois começamos a explorar naipes de metais, tivemos vários integrantes tocando instrumentos de sopro até manter esta formação com o trombone do Bidu e o sax do Monteiro. Teve uma época que tocamos com um percussionista, o Eduardo Lira. Acredito que é um exemplo...uma decorrência da nossa afinidade. Uma relação íntima com a nossa musicalidade e a maneira que conseguimos expressar isto tudo. 

Não tem uma receita. A gente pode observar os Paralamas como uma banda que mantém sua formação original, usando músicos complementares, mas que são meio Paralamas também. Sempre buscamos pessoas que pudessem se integrar ao nosso trabalho de uma maneira espontânea, longe daquela coisa do músico de sessão, que baixam o "taxímetro". Que é legal, também. Existem músicos muito profissionais, que colaboram com várias bandas, até aí tudo bem. Mas a gente sempre pensou em agregar elementos na banda que pudessem se somar ao nosso ideal, que passa muito pela espontaneidade, pela coisa intuitiva que a gente tem. Talvez isto explique um pouco porque estarmos juntos desde o início. Foto: Mauricio Valladares

A vontade de fazer coisas novas sempre existiu, é uma premissa nossa. Acho que conseguimos orbitar dentro do nosso universo. A partir do terceiro álbum a gente encontrou uma identidade musical. Na sonoridade e, principalmente, nos discursos do Herbert, nas letras, o que temos a dizer dentro deste universo pop. Algumas vezes estamos um pouco mais experimental, como no caso do "Severino" e "Os Grãos", outras vezes estamos explicitamente pop, como no "Nove Luas". Então, vamos explorando este nosso universo musical da melhor forma possível. Da maneira que a gente consegue.

João Barone em apresentação no Sesc Pompei em 2017/Foto: Lucas Lima


EB: Apesar de "Sinais do Sim" ter ótimas canções, eu ligo o rádio e só ouço os "clássicos" dos Paralamas. O que tenho visto é que, tanto as rádios quanto outros veículos de comunicação em massa ,não têm dado muita abertura para coisas novas, seja músicas novas músicas de bandas consagradas ou novas bandas. Como que vocês analisam isto?
JB: Nós temos falado muito, principalmente quando saiu "Sinais do Sim", sobre este fenômeno da cristalização das carreiras, do conjunto da obra, dos artistas e bandas que têm esta longevidade que a gente tem. Todos os artistas que têm esta longevidade precisam saber trabalhar com este conjunto da obra. No nosso caso, a gente convive muito bem com nosso legado. Isto, ao contrário do que pode acontecer, nunca foi se acomodar na popularidade, no sucesso que conseguimos. Não é um parâmetro para gente continuar, é apenas uma constatação. Sobrevivemos a muita coisa ao longo da nossa carreira: mudanças nas rádios, do vinil pro CD, do download e agora o streaming. É muita coisa em uma vida só. Estamos aos pouquinhos tirando proveito desta nova realidade que a gente vive, que não é nem mais nova, né (risos). 

Nós ficamos tranquilos em saber que temos uma demanda no streaming muito grande. Não somos uma Anitta, mas estamos bem (risos). É um fenômeno que temos que saber levar. Já falei, em muitas entrevistas, sobre a história do Paul McCartney se sacaneando. Quando ele está fazendo show, ele fala que é muito engraçado. Na hora que ele toca aquele mega hit dos Beatles ou da carreira solo, todo mundo tira o celular, grava. No momento da música nova, vai todo mundo no banheiro, comprar camiseta (risos).

Foto: Maurício Valladares

Acho que ninguém pode forçar o público a nada. Você corre o risco de ficar meio chato se forçar muito a barra. Hoje em dia você oferece aquilo pra quem quiser. Isto é uma decorrência desta mudança, que sofremos nos últimos 20 anos, neste eixo que existia da produção musical e os consumidores. O que costumo dizer é que antigamente todo mundo te entregava os artistas novos no jornal, no portão da sua casa, no programa de TV, nas programações de rádio. Tudo bem que tinham as questões do jabá e caramba a quatro. 

Mas, eles entregavam mais para você. O mundo estava em outra velocidade também. Você pegava um LP, ouvia o lado A, aí lia as letras, quem produziu, quem tocou, onde foi gravado, que microfone usou. Aí viajava na arte da capa, ouvia o lado B, analisava o teor das letras. Hoje em dia isto ficou um pouco para trás. As pessoas querem ouvir uma música só. Voltamos, mais ou menos, para aquela modalidade do single, da época que o Elvis Presley pagou para gravar um compacto simples e foi um hit. 

Temos que nos adaptar um pouco com esta realidade e não achar que temos que brigar com o sucesso pregresso. A gente é meio navio quebra gelo. Vamos devagarinho, mas vamos quebrando gelo até chegar no outro porto. 

EB: Falando em rádio, não tem como não lembrar do Maurício Valladares, que apresentou vocês na Rádio Fluminense e que é o fotógrafo da banda até hoje. Para vocês que têm uma relação tão forte com o Maurício, o que diferencia o trabalho dele e de tantos outros fotógrafos profissionais em tempos que a tecnologia possibilita que qualquer pessoa registre, por exemplo, momentos de um show?
JB: Mais do que um fotógrafo, ele é um agitador cultural. Fotografia pra ele é algo totalmente instintivo, intuitivo, como a música é para os Paralamas. Nós não fomos para escola aprender a tocar e nem ninguém veio nos ensinar. Fomos experimentando e abrindo caminhos. O Maurício é a mesma coisa. A paixão pela música o levou para a fotografia. 

Quando ele estava em Londres, nos anos 70, ele fotografou todo mundo que você pode imaginar. Led Zeppelin, The Who, a galera que era nova, como Elvis Costello, Siousxie & The Banshees. A gente teve esta sintonia com ele desde o início, desde a Rádio Fluminense, em que ele tinha um programa dedicado a novidades. E ele apostou muito na gente. Foi ele o responsável pelo nosso primeiro contrato com a EMI. 

O Maurício tem, também, esta coisa de inexplicável. Da paixão te levar a ser alguma coisa. É um cara que bota o coração na frente de tudo. Esta nossa sintonia é de longuíssima data e continuará para sempre. 

EB: Em 1983, no início da banda, vocês tocaram em uma noite punk no Rio de Janeiro, junto com Inocentes, Cólera e diversas mais. Vocês lembram como que era a atmosfera deste dia e como foi tocar para um público, de certa forma, diferente?
JB: Tenho algumas névoas sobre este show. Estou na dúvida se tocamos no Circo Voador, com as bandas punks paulistas. E teve uma apresentação, que fizemos no Western Club, aqui no Rio de Janeiro. 

Me lembro que tentamos ir em um show punk, no ABC paulista, e não achamos o lugar onde seria. Era fevereiro de 83. Foi engraçado que passamos por uma quebrada por lá e tinha uns carecas que não foram com nossa cara. Achavam que éramos boy e não sei o que. Sei que entramos no táxi correndo e fomos embora (risos). 

Depois, o pessoal do movimento soube dos Paralamas e tudo mais, e sabiam que nós valorizávamos o punk. É importante esta sinergia para poder encontrar outras plateias. Foi uma maneira de receber as bandas punks de São Paulo aqui no Rio. 

Existia uma campanha midiática muito grande contra o punk. Matérias de TV e tal. O Fantástico mesmo falou sobre aquele festival que teve em São Paulo e parecia que era o juízo final. A gente bateu maior bola com o pessoal das bandas, foi super legal. Demos abertura depois para os punks cariocas, o pessoal dos skates. Conseguimos congregar aquela galera do movimento todo com aquele rock de bermudas, como falavam, que estava surgindo aqui no Rio.

EB: "Medo do Medo", uma versão para composição da Capicua, é uma canção bem crítica de "Sinais do Sim". Primeiro gostaria de saber como esta música pegou vocês, a ponto de fazerem uma versão e por que é importante colocar o dedo na ferida, mesmo a gente sabendo que, não sentir medo, de forma alguma, seria um tanto quanto utópico? Vocês observam que a música tem o papel, também, de abrir os olhos das pessoas, fazer com que as pessoas olhem as coisas de um jeito diferente?
JB: Quando estávamos selecionando o repertório, esta música chegou até nós pelas mãos do Hermano Vianna, o irmão do Herbert. Fomos atrás e acabamos descobrindo que a Capícua tinha vindo ao Brasil fazer um intercâmbio com alguns rappers locais. Foi um exercício interessante, tentamos dar um formato para a música com a cara dos Paralamas. Foi uma coisa que sentimos que poderia render bem, uma levada meio The Clash.

Gostamos muito do que a música fala: a maneira que o medo é utilizado pra explorar a boa fé das pessoas, seja na religião, seja na política...o medo é um negócio tão inerente ao ser humano, e ele é explorado de uma maneira muito vil. Quando a gente olha isto acontecendo, ao longo da história da humanidade, e percebemos que estamos no século XXI, nós vemos que a grande parte dos medos são explicáveis se tiver boa fé e tranquilidade de encará-los de uma maneira construtiva, saber que eles podem ser debelados, usando descobertas da ciência, bom senso, enfim. Assusta quando o medo acaba gerando o que de pior existe na coisa humana.



Oportunamente, o medo é usado em benefício de pessoas que exploram isto. Religiosamente principalmente. Politicamente, então, é o que estamos vivendo. As pessoas, por medo, tomam atitudes irracionais sobre como lutar contra determinadas coisas que, teoricamente, proporcionam este desconforto, o medo das violências, das doenças, dos discursos antagônicos, do vizinho, do ser diferente...

Talvez esta seja a música mais engajada do disco e acho que o que a gente cobra da geração dos anos 80 é um posicionamento sobre a nossa realidade atual sociopolítica. Na hora que estivermos inspirados, vamos falar sobre isto. Em qualquer circunstância.

O que vale, também, é um trabalho pregresso. Nossas músicas que criticavam o governo e até hoje estão atualizadas, por incrível que pareça. Houve uma espécie de retrocesso. Nosso mesmo discurso de "Alagados" continua valendo nos dias de hoje. "Selvagem", "Perplexo", "Calibre", mais recentemente. São músicas que continuam valendo.

Acho que hoje em dia passamos um pouco de incendiário a bombeiro, né. Procuramos mais um caminho do meio para isto tudo. Talvez agora seja a vez de quem tá com seus vinte e poucos anos, com todas as aflições que a gente tinha quando estávamos com esta idade. Um bom exemplo disso é o que o rap está fazendo.

EB:  Vocês são caras que viajam pelo Brasil inteiro. Com esta vivência de estrada, o que vocês acham que é o maior problema do Brasil hoje?
JB: São muitos. É até muito óbvio falar que nossas aflições são as que todo mundo tem. Problemas de violência, falta de infraestrutura e falta de investimentos na educação. Estes três é um bloco só que faz a gente se sentir muito desconfortável com a realidade do nosso país.

No fundo, todo mundo quer a mesma coisa. Esse negócio da polarização, desta quase vingança do pessoal da direita que, em teoria, está com a bola agora. É uma coisa totalmente anacrônica dividir o país entre esquerdista e direitista. É uma besteira. O Brasil é maior que isto.

Temos que entender que é preciso manter os benefícios conquistados antes, não adianta ficar colocando culpa em A, B ou C. É uma total ignorância esse tipo de coisa chegar onde chegou. Se alguém quer pensar em país grande, é preciso pensar no respeito das diferenças, em uma aposta na reforma política, porque este campo continua execrável. Pagamos para um monte de ladrão ficar lá em Brasília, os bons políticos são cada vez menos identificáveis.



EB: Vocês já demostraram uma certa crítica ao primeiro álbum, "Cinema Mudo". Agora, acredito que vocês tenham uma autonomia maior para trabalhar um álbum. Vocês costumam fazer uma auto-crítica dos seus discos? Por exemplo, em "Sinais do Sim", existem coisas que vocês citariam como pontos negativos? E como que vocês olham para "Sinais do Sim" agora, tendo se distanciado um pouco da data de lançamento? Há alguma diferença?
JB: Existe uma diferença de anos-luz entre um disco e outro (risos). Com o tempo fomos aprendendo a conseguir aproveitar tudo que um estúdio pode oferecer e o que a composição pede. De fazer a letra vir já com a música e tudo mais. Sempre experimentamos muito as canções antes de entrar realmente no estúdio, então, sempre íamos com uma maneira mais formatada. Isto é uma característica nossa.

Cada um dos nossos álbuns retrata um momento. Acho que "Sinais do Sim" tem este aspecto bem claro. Fomos juntando as músicas novas, que o Herbert foi apresentando pra gente. Ele (Herbert) chega com as letras, e a gente dá uma vestimenta pra elas. Vamos moldando esta argila.

Gostamos muito do resultado final do "Sinais do Sim", curtimos demais trabalhar com o Mário Caldato. E o resto, se vão curtir, se vão gostar, não cabe a nós. Tem que deixar rolar mesmo.



EB: Para terminar, quais os planos de vocês para este ano? Tem coisa nova, muitos shows?
JB: Começamos 2019 muito bem, com vários shows. Tivemos uma experiência muito louca, que foi tocar em um cruzeiro. Vamos estar novamente no Rock In Rio, um evento de enorme magnitude. Vamos pensar em algo legal até a hora do show. Temos muitas apresentações marcadas já para este primeiro semestre e, por enquanto, é o que podemos dizer.

Estamos retomando a rotina de ensaios, de trabalhar composições novas e tudo. Quem sabe daqui a pouco estamos com um repertório legal para gravarmos mais alguma coisa e pensar em alguma forma de lançar músicas sem, necessariamente, ser em um álbum. De repente, pode ser uma receita interessante experimentar lançar uma música inédita de tempos em tempos antes de divulgar um álbum, ou coisas assim. Vamos começar a juntar material novo e pensar em uma maneira legal para postar, como dizem.

No ano passado, fizemos uma experiência divertida que foi gravar algumas músicas de natal (risos). Foi super legal, muito divertido. Vamos ver se conseguimos fazer uma brincadeira dessas de tempos em tempos.



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