Entrevista: Sammliz, cada vez mais perigosa

Foto: Tereza e Aryanne

Cinco anos se passaram para que Sammliz lançasse novo material. É de 2011 o último álbum da Madame Saatan, banda de Heavy Metal montada pela cantora em 2003 e que, de certa forma, reverberou no cenário musical do país. Mas Sammliz voltaria somente em 2016. E, esta volta, veio de forma livre, explícita, porém, a essência da cantora não foi deixada de lado. 

Desgarrada da Madame Saatan, Sammliz encarou-se como artista solo e se colocou no centro de suas narrativas, sem medo algum de colocar a cara para o que der e vier. Este é o retrato da foto (executada por Tereza e Aryanne) estampada na capa desta matéria. Uma mulher poderosa, dona de si, no centro, no comando. Sobretudo, uma mulher perigosa. Este é parte do título de faixa em que a cantora lançou no ano passado, em parceria com Dona Onete (outra mulher perigosa) e que ganhou clipe em novembro. Já o álbum, de 2016, foi intitulado "Mamba" e exibe, em várias nuances, uma estética sombria, sensual, poderosa e muito forte. 

A Sammliz, paraense, rockeira, continua de pé. Agora, mais amadurecida, com um pé na música eletrônica, cheia de planos e cada vez mais perigosa. Mas o que seria isto? A cantora explica, em entrevista especial ao Eufonia. Confira:

EB: O que é uma mulher perigosa?
Sammliz: É a mulher consciente e buscadora de si, independente, e que está aí ontem, hoje e sempre lutando pelos seus direitos. A mulher que não aceita ser menos, que está nas diversas funções e batalhas do dia a dia e que jamais se cala. A mulher bem sucedida, que não precisa provar nada, mas que a sociedade sempre está puxando para trás e testando. A mulher que se informa. A que abraça a outra. A mulher que acordou. Essa mulher é um perigo para uma sociedade escravizadora de mentes, corpos e que exige passividade.

EB: Como que "Deusa da Lua (Mulher Perigosa)", a música com a Dona Onete, aconteceu?
Sammliz:  Dona Onete e eu nos conhecemos há muitos anos e sempre tive vontade de fazer essa parceria com ela, o que acabou acontecendo da forma mais espontânea possível. Em uma festa de aniversário de uma amiga em comum, estávamos conversando quando perguntei "cadê a minha música?", no que ela respondeu de bate pronto" tá aqui". Começou a cantar lá mesmo e foi o tempo de pegar meu celular para registrar. Um ano depois, enquanto eu ouvia material para novas gravações, dei de cara com esse áudio de novo e imediatamente comecei a trabalhar nele. Acabei o restante da letra, arranjei e parti pro estúdio. Ela é incrível, muito amada por mim e foi uma honra finalmente sacramentar essa parceria.


EB: O "Mamba" tem uma pegada rockeira muito forte. Esta veia do rock esteve sempre em você, desde a infância? Quais eram suas influências em casa?

Sammliz: Muita coisa me influenciou na infância. Desde discos de samba da minha mãe, que é carioca, e trazia muito forte esse lance de lá, discos de canções francesas, e muito pop e rock dos anos 70 e 80, já que meu pai comprava quilos de fitas cassetes que eram nossas companhias nas viagens que fazíamos para a praia e interiores. Eu assistia muitos musicais também, adorava. 

Algo marcante foi estar no Rio, durante o primeiro Rock in Rio, no qual não puder ir por ser muito criança, e, mesmo assim, ver toda aquela movimentação na rua e assistir pela TV artistas como Nina Hagen, Queen, Baby Consuelo (na época era Consuelo), Ney Matogrosso (eu pirava e piro muito nele), que na minha cabeça pareciam super heróis. Quando os vi, eu disse para minha mãe que era aquilo que eu queria ser.

EB: E como você vê o rock que é feito hoje em dia? Tem muita gente que fala que o gênero morreu, qual a sua opinião sobre esta isto?
Sammliz: Enquanto houver gente fazendo não morre. As coisas geralmente são cíclicas e é normal alguns estilos amornarem na popularidade. Diversos fatores levam a isso. Essa nova geração parece se interessar bem mais por outros gêneros e também tem um certo gosto amargo na boca dessa impressão de que o rock virou aquela coisa de "tiozão reaça". Mas não dá pra generalizar, já que ao lado disso há muito artista e banda por aí tocando, nascendo, experimentando, fundindo sons, nem aí para o que vende ou não vende no momento, ou se está ou não está tão popular. Foto: Tereza e Aryanne

EB: Aliás, como você decidiu que iria ser cantora? Você começou na Madame Saatan mesmo?
Sammliz: Sempre quis ser cantora, desde criança. Desde quando passava férias no interior do Pará e era obrigada por uma tia querida a ir a cultos evangélicos, que logicamente eu não gostava porque só queria brincar, e onde só sossegava com minha irmã na hora dos louvores. Achava bonito. 

Minha família também era muito musical e artística. Meu pai era escritor e compositor, minha mãe escrevia poemas, assim como minha vó, e meu avô paterno era clarinetista. Minha primeira banda tive aos 15 anos e não saiu da garagem. Aos 16, montei a primeira banda inteira formada por mulheres aqui de Belém, Morganas, que tocava punk rock nervoso e hardcore, em 93, que foi onde comecei a escrever minhas primeiras letras e compor. De lá toquei em outros projetos, cantei na noite em barzinhos, montei o Madame Saatan, circulei pelo Brasil e cá estou com meu projeto solo.

Sammliz em lançamento de "Mamba" em Belo Horizonte/ Retirada do Facebook

EB: O disco (Mamba) tem uma estética um tanto quanto sombria e, ao mesmo tempo, forte, com a sonoridade das canções. Esta estética foi pensada, projetada? 
Sammliz:  Este processo começou ainda quando eu morava em São Paulo e foi se transformando à medida que eu ia me transformando. No processo de mudança experimentei muita coisa, sonoridades, músicos, e quando foi a hora de entrar na parte da pré-produção, valendo mesmo, fui para uma casa em Salinas, Região do Salgado, aqui do Pará, e me internei lá com equipamentos para gravar tudo. 

Esse disco foi moldado de fato lá, enquanto trabalhava na madrugada em um quarto em frente à praia e deve ser por isso que está impresso uma certa melancolia e escuridão. As letras retratam esse processo de transformação, com muita coisa do tempo vivido em SP e outra já em Belém, e eu deixei tudo fluir sem ficar pensando em como ele deveria soar.

EB: O que você percebe que mais mudou em você, como compositora e cantora, ao olhar para o último disco da Madame e o seu primeiro trabalho solo? 
Sammliz: Bem, são sonoridades e mundos bem distintos. No Madame, apesar de todas as letras serem de minha autoria, em algumas músicas, dividia parceria com os outros membros, era como Cérbero. Eu estava ali com outras cabeças nas decisões sobre os rumos musicais. Esse meu trabalho (solo) é pensado e produzido por mim, e é onde eu me sinto livre para ir mais além. E eu quero fazer tudo o que eu quiser, e como eu quiser. É isso que me deixa feliz na música. O trabalho de composição está sempre em mutação, assim como nós, e estamos sempre aprendendo, descobrindo coisas e nos desafiando.

EB: Nas canções do "Mamba" existem também alguns elementos da música eletrônica, e, no single com a Dona Onete, ainda mais. Você pensa em acrescentar outros elementos, de outros estilos, nas suas músicas? Alguma coisa que você tem bastante vontade de experimentar, mas ainda não fez?
Sammliz:  Eu gosto muito de música eletrônica e pop, e não é à toa que são elementos presentes no meu som, desde "Mamba". Tenho utilizado isso na composição de novos trabalhos, como o single “Deusa da Lua”. A formação da banda que vem me acompanhando também se modificou nessa direção, com a utilização apenas do baixo nas programações, por exemplo, e eu fico empolgada com as possibilidades de continuar mexendo nesse formato, assim como experimentando sonoridades.

Foto: Julia Rodrigues

EB: Recentemente saiu o clipe de "Deusa da Lua" (Mulher Perigosa), que é justamente o single com a Dona Onete. Tem projetos para este ano, algum lançamento ou outra parceria? 
Sammliz: Tem previsão de sair mais um clipe de uma música de "Mamba", e estou escrevendo um novo trabalho. Talvez lance um single-clipe inédito desse trabalho novo ainda esse ano, mas nada certo. Pensando mais ano que vem mesmo.

Estou imersa novamente em minhas papeladas e com um punhado de músicas e ideias para montar até lá.

EB: Para terminar, só gostaria de dizer que gostei muito da energia de "Mamba" e que espero ansiosamente por um show aqui em São Paulo. Tem alguma ideia de quando você vem pra cá?
Sammliz: Que alegria enorme saber que você gostou do trabalh! Feliz mesmo. Estou com passagem comprada para final de maio e talvez feche algo por aí nessa minha ida relâmpago. Torcendo para rolar algo, já que foi meio em cima da hora que resolvi ir e as datas de vários lugares legais estão todas fechadas. Mas se não rolar agora, no segundo semestre, se as deusas quiserem, eu dou esse chega aí. Muito obrigada pelo carinho e até breve!


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