"A música que nasce na nossa terra tem uma história, uma ancestralidade, que acho muito importante para qualquer indivíduo", diz Flaira Ferro
Foto: Bruna Coutinho Valença
O palco do Sesc Belenzinho recebe nesta sexta, 16, uma mistura incrível de música, poesia, teatro e dança, que chama atenção de gente do mundo todo. A recifiense Flaira Ferro apresenta seu primeiro álbum de estúdio, "Cordões Umbilicais", lançado em 2015 de forma independente. Mas como se não bastasse, a cantora, compositora, dançarina e o que vier à cabeça, convidou Karina Buhr, importantíssima figura da música nacional, para se juntar ao palco da comedoria do Sesc. Explosão de ritmos, estilos, vozes. Estas duas identidades nordestinas prometem balançar o público paulistano. Confira a entrevista de Flaira ao Eufonia:
EB: “Cordões Umbilicais” é seu disco de estreia, mas você está inserida na arte desde pequena com as danças, certo? Quando foi que você começou a compor e quando decidiu mesmo que precisava gravar um álbum?

A música sempre esteve dentro de mim, mas de um jeito muito intuitivo e espontâneo. Que eu me lembre, minha primeira composição foi com oito anos de idade. Eu costumo dizer que o “Cordões Umbilicais” foi só um desabrochar de uma coisa que já era vivida internamente, adubada também, na minha vida, desde sempre.
Cheguei a fazer aula de canto, teclado, violão, mas não
tive tanta disciplina quanto para a dança. Bateu a vontade de gravar o disco
quando eu vim morar em São Paulo, em 2012, e aí na virada de ano, de 2012 para
2013, conheci dois grandes amigos músicos, Leonardo Gorosito e Alencar Martins. Vi que tinha uma grande coletânea de músicas guardadas e senti que aquele era
o momento para aquilo virar material, expor mesmo. Então começamos o
processo de gravação e produção do disco, com a direção e os arranjos do
Leonardo e do Alencar, com letras e músicas minhas, algumas com parcerias, inclusive com o Maestro Spok. O
disco nasceu em 2015, mas já vinha sendo fomentado a muito tempo. Nele tem
composições minhas desde quando eu tinha 19, 20 anos.
Foto: Bruna Coutinho Valença
EB: E a estreia veio
com um disco riquíssimo de elementos e misturas e que valoriza muito a
brasilidade. Eu vejo muita gente dizer que os brasileiros estão cada vez mais
distantes do que é feito aqui e das coisas que remetem nossas raízes, como o
frevo, maracatu e o samba. Qual a sua opinião sobre isso? Música brasileira
realmente não é tão valorizada quanto deveria ser?
Flaira: Embora eu tenha uma relação muito forte com a música e os ritmos brasileiros, eu não tenho esse discurso de que só porque você é brasileiro você tem que gostar da música brasileira. Eu acho que a gente vive em um mundo onde o acesso à informação e à outros estilos de música estão cada vez mais fáceis, então é importante escutarmos referências musicais de tudo quanto é ordem, de tudo quanto é estilo, e assim descobrirmos do que a gente gosta. Eu particularmente amo música brasileira, ela está sempre influenciando minhas canções e meu jeito de compor.
O que na verdade eu lamento na situação, de modo geral da
música nacional, é que ela não é tão estimulada quanto outros estilos. Tem uma
indústria aí que faz o cidadão comum ter um acesso muito limitado de músicas nacionais,
e, isto é, canções que tocam nas rádios, televisão, trilhas de novelas. O gosto
dessas pessoas vai sendo moldado a partir das referências que chegam até elas.
O que sinto falta é que a riqueza do que é produzido aqui não é levado
proporcionalmente ao brasileiro, e isto realmente, eu lamento.
"A música que é produzida aqui é sim muito rica e é uma música que dá senso de pertencimento e identidade. É colo, é afeto. A música que nasce na nossa terra tem uma história, uma ancestralidade, que acho muito importante para qualquer indivíduo de modo geral."
Temos uma miscigenação e uma combinação de identidades muito
distintas uma da outra, isto é muito rico e não chega a grande maioria dos
brasileiros. A música que é produzida aqui é sim muito rica e é uma
música que dá senso de pertencimento e identidade. É colo, é afeto. A
música que nasce na nossa terra tem uma história, uma ancestralidade, que acho
muito importante para qualquer indivíduo de modo geral. Acho que a música
brasileira é desvalorizada sim, mas pelos meios de comunicação de massa.
Deveria ter mais acesso para o ouvinte escolher se gosta ou se não gosta a
partir do que ele escuta, e não ficar ali só em um repertório limitado, do que
chega até ele, de um determinado estilo musical.
Foto: Thito Borba
EB: Vejo que você é uma artista tão flexível, em questões de
estilos musicais e também na arte (vale ressaltar que também é reconhecida por
tudo que faz). Existe alguma coisa relacionada à arte que você ainda não fez e
deseja muito fazer?
Flaira: No campo da criação artística eu gosto muito da mistura das
linguagens, de um modo geral. Esta coisa de eu trabalhar com dança, teatro,
música, poesia, são tentativas de eu tentar expor, de uma forma fiel, aquilo
que se sente na alma. O que for necessário para colocar isto para fora eu estou
correndo atrás. Gosto muito de cinema, fotografia, arquitetura, então, isto
tudo, de certa forma, atravessa meus pensamentos e a forma de como eu vou
criando as coisas que eu faço, as músicas, letras.
Estou sempre aberta para me
permitir em atravessar qualquer linguagem artística, porque no fundo o que eu
quero é me comunicar, da forma mais clara, mais honesta, do que sinto e tenho
vontade do compor. No momento não tenho nada em mente, eu me deixo levar um
pouco pelas coisas que vou escutando, lendo. Tudo que for forma de expressão me
interessa e me ajuda a compor e criar.
EB: Agora no próximo dia 16 você se apresenta com a Karina
Buhr aqui em São Paulo. Como rolou essa parceria?
Flaira: Me veio em mente convidar a Karina porque a gente nunca fez
nenhum trabalho juntas antes. A gente se conheceu no início do ano passado, quando ela foi assistir um show meu em Recife.
Tive muito empatia com a figura dela e eu sempre admirei imensamente o trabalho
de Karina Buhr. Ela tem uma autenticidade, uma coragem no trabalho dela, que me inspira muito.
Quando veio o convite do Sesc para apresentar o show do “Cordões
Umbilicais”, me veio ela na cabeça como uma pessoa que poderia estar somando
para este show. No fundo nós só vamos criando pretextos para andar juntos. O trabalho de Karina me inspira muito, ela é uma grande artista, de outra geração.
Foi mais um desejo da gente se encontrar e nada melhor do que um palco para
tornar estes encontros mais criativos. Ela topou e eu fiquei super feliz, será
uma participação muito bonita e muito especial de Karina.
Foto: Thito Borba
EB: E vale muito ressaltar que são duas nordestinas se
apresentando aqui na capital paulista. Falando dessa vivência por aqui em
comparação com o nordeste, o que você absorveu de bom de São Paulo e no que você
acha que a cidade precisa evoluir, sendo em termos de hábitos, políticas
sociais e etc? Você vê que São Paulo é
uma cidade elitista, preconceituoso e todas essas coisas que dizem ser?
Flaira: São Paulo é uma das maiores cidades do mundo, e por isso tem
muitas consequências boas e muitas negativas também. Das coisas boas que vejo
aqui, em relação a Pernambuco, é a miscigenação de identidades e estilos que
coexistem em um mesmo território. Isto é uma riqueza muito grande.
Culturalmente
falando, são muitas tribos e estilos diferentes, em uma mesma cidade, então não
tem como enjoar de São Paulo neste sentido, sempre vai ter algo novo, que você
não viu, que ainda pode descobrir. É uma cidade expansiva para dentro, mais do
que em relação de território, é um mundo complexo para dentro, artisticamente,
acho isto muito legal. Por outro lado, é uma cidade com concentração de renda
muito grande, em mãos de pouquíssimas pessoas, e isto, resulta em uma
desigualdade social absurda, que tem consequências naqueles que não têm acesso à educação, saúde.
"É uma cidade que tem que ser cuidada para que não vire uma barbárie, como tem parecido se tornar."
Acho que é uma cidade que precisa evoluir muito em políticas
públicas que deem assistência aos pobres, aos negros, às mulheres. É necessário
que se assegure os direitos básicos, para que se possa ter dignidade na vida.
Além disso, é uma cidade que precisa evoluir muito com o meio ambiente, com o
cuidado com a natureza, para que as pessoas não se percam da ideia que fazemos
parte de um todo, que a vida não se passa em um apartamento. Foto: Helton Perez
Não gosto de generalizar uma cidade em uma palavra e dizer
que São Paulo é uma cidade elitista, porque seria injusto pela quantidade de
pessoas boas que estão aqui, lutando pela cidade, pelos direitos humanos. É uma
cidade complexa e acho que em uma situação de desigualdade a prioridade tem que
estar do lado de quem tem menos acesso ao conhecimento, pois no fundo, queremos
um mundo melhor, não é? É uma cidade que tem que ser cuidada para que
não vire uma barbárie, como tem parecido se tornar.
EB: Para finalizar, por
que nem eu e nem os leitores do Eufonia devem perder a junção de Flaira Ferro e Karina Buhr no próximo 16 de
junho, no Sesc Belenzinho?
Flaira: Eu posso garantir que vamos colocar o Sesc Belenzinho para tremer (risos).
O “Cordões Umbilicais” é um show que permite esta interação de música, dança,
teatro e com a participação poderosa de Karina Buhr. Com certeza os
paulistas poderão presenciar um show cheio de vida para reanimar e aquecer esta
energia vital que estamos precisando, para nos mantermos firmes e fortes em um
país que está de cabeça para baixo, em que não sabemos quem está do lado da
verdade ou não está. Só fazendo arte, com entrega, para poder salvar e aquecer
o coração. Dia 16 podem esperar, eu, Karina e uma banda porreta com quatro
músicos, botando o Sesc Belenzinho para tremer.
Flaira Ferro é acompanhada por: Alencar Martins (violão e guitarra), Ciro Moura (teclado), Gabriel Zit (bateria) e Felipe Pizzutiello (baixo).
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