Entrevista: "Estamos nadando contra a corrente", diz Sérgio Britto, dos Titãs

Foto: Silmara Ciuffa

Ninguém sabe explicar o que tinha na água de São Paulo na virada de década de 70 para 80, mas é certo que a cidade fervilhava e viria a fervilhar ainda mais com o passar daquela década. Quem diria, por exemplo, que uma junção de garotos do Colégio Equipe, que, separados compunham vários grupos, resultaria em uma das bandas mais aclamadas do rock nacional? Sim, estamos falando dos Titãs, que embora esteja com apenas 3 do que já foram 9 integrantes originais, seguem firmes, fortes e com a sua maior característica intacta, que é a valorização da criatividade coletiva, sem medo de pôr o dedo na ferida e de inovar.

Quando a banda se formou, lá no início dos anos 80, Sérgio Britto era o único que não tinha outros grupos. Marcelo Fromer, Tony Bellotto e Branco Mello, tinham o Trio Mamão, por exemplo. Nando Reis e Paulo Miklos faziam parte do Sossega Leão. Miklos e Arnaldo Antunes complementavam Aguilar & Banda Performática. Estes são apenas alguns dos muitos grupos que, em junções parciais, viraram Titãs. E, como Titãs, o grupo lançou álbuns como "Cabeça Dinossauro", "Titanomaquia", "Nheengatu" e muito mais. E qual o ponto de junção de tudo isto? A constante reinvenção do grupo, que lança, agora, na era dos singles e playlists, uma ópera-rock, intitulada "12 Flores Amarelas".

"A ideia da ópera veio do nada. Durante um tempo ficamos pensando em um projeto novo e tivemos a ideia de contar uma história por meio de canções. E aí veio o formato dos musicais, da ópera-rock. Chegamos a conclusão que esta seria uma boa ideia, porque, contando uma história, você consegue falar de temas que normalmente não falaria. Fora isto, é uma coisa que a gente nunca tinha feito", conta Sérgio. "Sinto que estar contando uma história em 25 faixas, é sim como nadar contra a corrente e a corrente está forte (risos)...acho que só tem a gente nadando neste sentido. Por um lado é bom porque nos diferencia. Era nossa vontade artística, não tinha como evitar", complementa.



A partir daí, os Titãs se reuniram com Marcelo Rubens Paiva, Hugo Possolo e Otávio Juliano para pensar na trama. As cantoras e atrizes Corina Sabbas, Yas Werneck e Cynthia Mendes entraram para o time. Aos poucos, dentro de três anos, "12 Flores Amarelas" foi nascendo. 

Em síntese, a obra conta a história de três jovens que sofrem abuso sexual por cinco rapazes em uma festa. As três garotas são Maria A, Maria B e Maria C, interpretadas por Yas Werneck, Cyntia Mendes e Corina Sabbas, respectivamente. No decorrer da trama são abordados temas como aborto, religião, tecnologia e interações sociais. 

"Com certeza o abuso sexual, que é o ponto principal da ópera, é um assunto muito delicado de se falar. Então tivemos que tratar isto com muito cuidado, pensar em cada palavra que iríamos colocar e levar em conta muitos aspectos. Resolvemos trabalhar com este tema porque está em voga, mesmo que seja uma coisa muito antiga. É uma coisa que não acontece só no Brasil, mas, sim, no mundo inteiro. Falamos sobre uma visão de mundo, totalmente machista, que acha que a mulher é um objeto. É um assunto que engloba todos nós. Estamos falando sobre mulheres do nosso ponto de vista. Não estamos tomando o lugar de fala de ninguém", conta Britto.

Foto: Silmara Ciuffa

Um outro desafio encarado pela banda, que sempre teve uma postura de palco ímpar, foi a adaptação ao cenário teatral. Britto, Tony Bellotto e Branco Mello, que se juntam a Beto Lee e Mário Fabre, contracenam a todo momento ao lado das três atrizes, então, há uma série de regras a se seguir, como delimitações de palco e atuações decoradas.

"As meninas não estão só cantando, estão encenando também. Então, estamos contracenado em tudo que cantamos com elas. Temos que obedecer certas marcações do palco, de luz. Mas não é uma adaptação difícil de se encarar, é uma coisa estimulante", conta Sérgio. "O contato com o público é totalmente diferente. Nós não esperamos nenhuma reação. Fizemos seis shows até agora e o que percebemos é que as pessoas prestam muita atenção. São canções novas, ainda bem desconhecidas, então você precisa ter um apostura diferente, ser mais focado na música. Está sendo uma experiência bem bacana", completa. 

"12 Flores Amarelas" já está disponível nas plataformas de streaming, na versão de estúdio e ao vivo, com edições da Universal Music. A banda registrou a ópera em DVD, já disponível nas lojas. "Achamos importante o registro ao vivo, em DVD, porque estamos contando uma história, precisamos ilustrar isto, de certa forma", explica Britto.

Foto: Silmara Ciuffa

Outros tempos

Antes mesmo de adentrarem de vez em uma gravadora, os Titãs estavam na TV. Era comum o nada comum grupo participar de programas do Chacrinha, Raul Gil, Hebe Camargo e Bolinha. A presença da banda em tais programas foi fundamental para a criação de uma popularidade. "Claro, hoje é diferente. A internet é mais importante, mas estar na TV ainda é também", ressalta Britto. 

Sobre o surgimento de uma cena que ficou para a história, o artista diz: "Ali, no início, não dava para perceber que iríamos fazer parte de algo que ultrapassaria barreiras do tempo. Talvez um pouco depois, quando lançamos "Cabeça Dinossauro", quando os Paralamas lançaram "Selvagem", conta. "Hoje, as bandas novas têm como desafio o pouco espaço. E não é só da mídia. Falo também nos poucos lugares que existem para tocar. E, às vezes, quando tem uma casa de shows, eles dão preferência para bandas covers", completa.

Perguntado se existe algum saudosismo do público roqueiro brasileiro, Sérgio responde: "vejo o público roqueiro hoje muito parecido com o público dos anos 70. As pessoas dão muito valor ao que é de fora e não olham para o que é feito aqui dentro".

Nome Aos Bois

Uma das muitas faces dos Titãs é a crítica. No disco "Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas" (WEA), de 1987, o grupo lançou a faixa "Nome Aos Bois", que é, na verdade, uma lista de personalidades autoritárias em geral, que passa por Mussolini, Hitler e vai até Ronaldo Bôscoli e Gil Gomes. 

"Deveríamos atualizar esta lista todo ano (risos). O Bolsonaro com certeza é um nome que estaria lá", conta Britto. "Tempo de eleições é engraçado, principalmente pela polarização que estamos vivendo. Parece que você não pode simplesmente votar em ninguém. Por isso que o Roger Waters foi tão vaiado aqui em São Paulo. Quando ele falou 'ele não', automaticamente o público associou que ele estava dando apoio ao outro candidato", completa.



Branco de volta

Após um período de muita angústia dos fãs, Branco Mello está de volta ao grupo. O músico passou por um tratamento bem sucedido contra um tumor na garganta (Hipofaringe). “Estou muito feliz com o excelente resultado do tratamento e retorno aos palcos. Agradeço a todos que me deram tanta força nesse período difícil e delicado”, declarou Branco em comunicado à imprensa.



A turnê de "12 Flores Amarelas" começa, para valer, só em 2019. Mas o grupo continua com as apresentações convencionais, que misturam clássicos como "Epitáfio" e "Flores" com singles do novo álbum. O próximo show, que marca a volta de Branco, será no Festival Nova Brasil, no próximo dia 27, no Allianz Parque, em São Paulo. Entre os já confirmados para a data, além dos Titãs, estão o grupo Jota Quest, o duo AnaVitória, o cantor Raimundo Fagner e Zélia Ducan, entre outros convidados e atrações surpresas.

Serviço:
Festival Nova Brasil
Data: 27/10/18 | Sábado
Local: Allianz Parque | Av. Francisco Matarazzo, 1705, Água Branca, São Paulo/SP
Abertura dos portões: 13h
Horário do evento: 15h
Ingressos: www.eventim.com.br
Classificação: 16 anos. Menores entre 10 e 15 anos podem entrar acompanhados dos pais e/ou responsáveis legais.






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