Entrevista: o crítico e instigante Edgar

Foto: Pedro Ladeira

Setembro de 2018. Mais um ano vai caminhando para o seu fim. Com o término, as lamentações e promessas. É certo que estamos adiantados, o fim não está assim tão perto, mas é certo que o novo sempre vem. E veio. Edgar, embora já esteja há um tempo no meio musical, é novo, novíssimo. Provavelmente você não ouvirá algo tão instigante neste ano como "Ultrassom", o seu mais novo disco, primeiro lançado pela gravadora carioca Deck.

Produzido por Pupillo (Nação Zumbi), o álbum conta com 10 faixas, que misturam o rap, a música eletrônica e o funk. Edgar adentrou a crista da onda do indie br quando lançou "Plástico", primeiro single de "Ultrassom". Antes disso, o cantor, nascido em Guarulhos (SP), participou do disco "Deus É Mulher", da Elza Soares. O artista marca presença na faixa "Exu Nas Escolas". Mas você sabe quem é este Edgar que estão tanto falando? Ele mesmo nos conta; confira entrevista:

EB: Antes de entrarmos no novo álbum, acho bom eu e nossos leitores te conhecerem melhor. Como de praxe, gostaria de saber como você iniciou na música, o que lhe causou vontade de entrar neste meio? Sei que você é de Guarulhos, que aliás é a cidade onde moro, então você iniciou em uma cena local ou partiu logo de início pra capital?
Edgar:  Eu comecei em 2011 a fazer um curso de percussão após conhecer as rimas em improviso, andando nas noites de Guarulhos mesmo. Só em 2015 eu comecei a fazer shows na capital de São Paulo e depois Minas gerais.  Hoje moro na capital paulista por conta de reuniões e ensaios.

EB: Antes do "Ultrassom", você já tem alguns trabalhos espalhados pela rede. O que são exatamente estes trabalhos?
Edgar:  São a formação de artista/ ser humano que tenho antes de conseguir pensar no "Ultrassom". Sem eles não chegaria neste disco.

Lancei o primeiro EP em 2013, em 2015 meu primeiro CD como Edgar. Ainda em 2015 lancei dois álbuns de música eletrônica com o projeto Matagal hi-tek. Também participei da trupe Arara Saudita e outro grupo chamado Mataviva, lancei um álbum com cada uma dessa bandas. Em 2017 lancei dois álbuns, um deles com um curta metragem dirigido por mim. E o outro álbum é um trabalho totalmente pensado no audiovisual.

EB: Mesmo com estes trabalhos, você tem uma denominação nas redes sociais de "o novíssimo Edgar". Isto é uma coisa irônica pelo tanto de coisa que você já fez?
Edgar: “O Novíssimo Edgar” é o título do álbum anterior ao Ultrassom e é totalmente uma ironia. Eu lancei dois álbuns em 2017, o “Protetora dos Bêbados e Mal Amados”, só que muito amigos perguntavam "cadê o disco novo"? Sendo que nem viram este, aí lancei “o novíssimo” totalmente visual e acabou virando meu apelido.



EB: Em "Ultrassom" você fala sobre temas bem atuais, como a liquidez, a tecnologia, as catástrofes e a perda dos recursos naturais e a sonoridade do disco, como um todo, remete à modernidade e ao tecnológico. Você olhando agora, por cima, como você define "Ultrassom"? Podemos dizer que é uma crítica à modernidade ou a camada é mais funda que isto?
Edgar: Pode ser taxado de crítica sim, mas nada mais é que uma análise compartilhada de dentro pra fora da minhas ideias e percepções, contemplando sem ser dual.  Na música "Saúde Mecânica" não me mostro contra nem a favor, só relato esse upgrade contemporâneo que sinto chegando.

EB: Em "Go Pro" você fala como as guerras influenciaram os vídeo-games e como os vídeo-games são meio que um treinamento para situações de guerra. Você acredita que estes mesmos vídeo-games influenciam também para esta obsessão por armas, além dos discursos de ódio, que estamos vendo acontecer, principalmente pelos jovens?
Edgar: Não, acredito que seja a falta de conhecimento dos direitos civis e de uma formação política sem ser alienada. Os discursos de ódio nascem da intolerância e dos cansados, o vídeo game só é a válvula de escape pra não cometer um genocídio. Dentro do GTA, por exemplo, você consegue ser um sociopata roubando carros e destruindo a cidade.

Foto: Pedro Ladeira

EB: Uma das canções que mais me instigou foi o "Amor Está Preso". Nesta música você fala que o amor está preso em uma camisa de vênus e depois você fala que estão sendo criados mais carros do que nascem crianças. Minha dúvida é sobre o que realmente você quis dizer com este paralelo. É uma crítica a diminuição da natalidade? Ou é além disto?
Edgar: É além disso. É uma crítica a masturbação social, as coisas que nunca mudam, 12h em uma delegacia pra fazer um B.O e o papel que continua a ser impresso, o lamento dos seringueiros, cada árvore arrancada na Amazônia e todo "blablabla"  sobre o mal enlatado em uma Coca-Cola. E saber que um McDonald’s faz mal, mas não ter tempo pra preparar sua própria comida e virar refém de um restaurante, carregar o sonho de ter filhos para dar um carro no aniversário de dezoito anos dele.

Se a esperança são as crianças e elas param de nascer, ou são educadas a desobedecer o instinto natural de relação entre o indivíduo e o habitat, um futuro melhor não vem.



EB: Em "Plástico" você conta sobre as mazelas do mundo (ou algumas delas) e diz que o futuro é uma criança com medo de nós. Apesar disto, eu sinto na música um pouco de esperança. Apesar de todas as coisas, você acredita que as coisas podem melhorar?
Edgar: Acredito que sim, se mais pessoas pararem de lavar seus carros ao domingo gastando água potável com o pensamento de eu estou pagando, final do mês sou "EU" quem pago, se começar por aí talvez mude.

EB: "Ultrassom" é uma das coisas mais originais que ouvi ultimamente. Tem uma mistura muito grande de ritmos, desde o funk até o rock, mas eu não lembro de algo muito parecido. De quais fontes você bebeu? Quais foram suas influências?
Edgar: Os filmes Tron e Blade Runner de 1982, alguns ao vivos do Kraftwerk, baterias eletrônicas e teclados dos anos 70 em diante.

EB: Para terminar e para quem ainda não viu o show, o que podemos esperar desta experiência ao vivo? Há uma produção especial?
Edgar: Sempre há uma produção especial, desde 2015 quando comecei a me apresentar com figurinos e fazer performances, elas raramente se repetem nos palcos que subo, quem me viu uma vez dificilmente vai ver totalmente parecido, sempre muda algo que dá toda diferença. É a vontade de continuar a experimentar e a fazer música e arte.

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