O que é o rock hoje?

Gabriela Deptulski em foto de Theodora Charbel

Música para transgredir, para criticar, para dançar ou para sofrer. O rock, desde o seu início, sofreu mutações, absorveu outros estilos , foi mais experimental, foi mais comercial, revolucionou ou ficou quietinho. O fato é que, sempre que foi visto que seu esgotamento estava perto, o estilo renascia, revigorado, mas sem deixar o passado para trás. Foi assim desde o blues, o rock 'n' roll, a onda hippie, o punk, a new wave, o heavy metal, new metal, etc e etc. Talvez nem sempre contestador, mas sempre jovem. As reviravoltas, o desejo de mudar e criar algo novo sempre vem da juventude, segundo ressalta Antônio Bivar no livro "Punk", em nova edição publicada pela Edições Barbatanas.

Mas, diante de tantas mudanças, de décadas e reinvenções, a que pé anda o rock hoje, em especial o nacional? Há quem diga que morreu, e, em termos comerciais, não se pode negar, os números ocasionados pelo gênero ao mercado são pífios. Então, o que virou o rock hoje? 

Power trio Black Pantera em foto de divulgação. 

"Será que eu ainda sei o que é o rock? Ele foi tão descaracterizado, usado, transformado. Tem coisas nele que são tão desgastadas, engessadas, estupidamente repetidas. Além disso, existem tantos nichos nele. Quando olho ao meu redor, me vejo num nicho de intercessão. Vivo num lugar onde estilos diferentes se comunicam bem, a gente conversa com todo tipo de gente e produz (ou tem vontade de produzir) música com as galeras mais variadas, que tocam vários estilos musicais. Rock, pra mim, se tornou a capacidade que a gente tem de ficar 'de boa com todas as galeras'. E, o ficar de boa que eu falo não quer dizer 'não confrontar', porque todo mundo discorda nessa vida (graças a jah!)", comenta Gabriela Deptulski, líder da My Magical Glowing Lens.

"Discordar é uma benção! Sem isso não existe liberdade. Ficar de boa, no sentido de não ser autoritário, de saber que cada um é cada um, e que existe coisas que não se fazem possível universalizar. Acho que rock tem atuado na minha vida como um possibilitador de me soltar desses padrões criados externamente pela sociedade, ele tem me dado capacidade de discordar, de me entregar profundamente à futilidade que é o sistema capitalista como um todo. Ele expande meus limites, recria, brinca com esses padrões O rock 'n' roll, para mim, tem a ver com isto: brincar com os padrões, recriá-los, sonhá-los outra vez, fazer com que eles se alarguem, se estendam para além dos limites de tudo que já foi. Mas... ele anda meio caído, não é o que dizem? Nas estatísticas de mercado pelo menos ele anda mal (risos). Mas, ao mesmo tempo, tem gente tirando seu ganha pão a partir dele... É, ele se mantem, se renovando, influenciando outras galeras, ainda que em baixa no mercado", completa.

Papisa em foto de Rafael Oliveira

Se o rock ainda existe, as bandas existem e o jovem continua inquieto e criativo, não seria correto dizer que o rock morreu. Se olharmos pela visão do mercado, o que podemos considerar é que o gênero estaria falido ou a caminho disso. "O hype quer dançar porque é o que vende, mas sempre haverá quem curta fazer aquela microfonia ensurdecedora que te deixa em transe. O rock é testar seus limites, um estado de espírito, aquela vontade de sempre quebrar as regras", conclui, em conjunto, a banda Bike.

"Quem entra numas de que o rock morreu é porque ainda espera que ele venha vestido e falando como no século XX. Manter a essência dentro do dialeto linguístico e estético atual é encontrar seu lugar no agora. Quando é verdadeiro, é atemporal", comentou Pitty no Twitter. "O Rock nunca vai morrer e não precisa ser salvo. Sempre vai ter uma banda de garagem pronta pra se entregar no palco e sempre terá gente para se deliciar com isso. O Rock, hoje, pode não estar mais nos principais meios de comunicação, mas é só procurar que sempre vai se encontrar coisas novas e antigas interessantes, que fazem a gente continuar ouvindo, se emocionando e tocando", conta Marcelo Gross.

Hoje ,o que se pode observar, é que o gênero é muito mais receptivo ( o que é bom). Não existe mais uma singularidade, um holofote maior só para um lado. Há bandas psicodélicas, bandas mais experimentais, bandas punks, bandas pop e bandas que misturam tudo isso, além de absorverem elementos naturais de outros gêneros. E todos estes artistas vivem a mesma atmosfera.

"Acho que Rock não anda mais sozinho. Aliás, acho que hoje poucos gêneros andam sozinhos. O mundo está cada vez mais plural culturalmente e isso reflete na forma como os artistas se expressam, como compõem. As amarras estão menores e o estilos cada vez mais diluídos nos outros. Antes, quando as lojas de disco ainda tinham prateleiras e as gravadoras ainda tinham controle sobre o produto final, acredito que ainda havia a necessidade de definir o que era o rock de forma mais consciente, dividir a coisa em caixinhas. Mas, penso que hoje isso flui de forma natural. A maioria das pessoas escutam um pouco de tudo, e os músicos vivem dentro desse contexto", conta Túlio Albuquerque, guitarrista do Kalouv. Salma Jô, vocalista da Carne Doce, em foto de Rodrigo Gianesi

"Eu comecei na música tocando piano clássico, quando era pequena. Mais tarde, comecei a tocar com banda, o que me trouxe um jeito diferente de me relacionar com a música, menos formal e mais livre. Nesse contexto, rock pra mim sempre foi sinônimo de liberdade, um campo de criação sem formalidade. Hoje em dia acho muito difícil qualquer definição de gênero musical, a música está muito híbrida e isso é ótimo, então prefiro continuar pensando que rock é esse estado de espírito que permite a expressão sem amarras e sem preconceito", comenta Rita Oliva, a Papisa.

Kalouv em foto de Hanna Carvalho

Segundo Ian Svenonius, ex-líder do Make Up, que se apresentou recentemente no Centro Cultural São Paulo, se dissecarmos e cavarmos até o fundo das canções feitas hoje, ou até mesmo no final da década de 70, quando o punk e a new wave eram os holofotes principais, em especial da música inglesa, tudo nos levará a um único lugar: o blues. Bivar, que participava de debate com o músico no relançamento do livro "Punk", olha para Ian e confirma veementemente.

Atitude

"O rock talvez se expresse hoje mais numa atitude, numa forma de ver a música de forma despojada, fora da caixinha. Dentro disso se incluem tantas outras referências que fica difícil definir o que é rock ou não é. Antigamente, me lembro que era até engraçado uma banda dizer que não sabia classificar seu som, mas, hoje, acho que é quase unanimidade. Todo mundo usa um pouco de tudo e, assim, vamos valorizando o que de bom já foi feito e o que há de vir", conclui Túlio Albuquerque.

O fato é que as novas tecnologias e a dita modernidade líquida, definida assim por Bauman, nos fazem não só refletir sobre novas formas de pensar o rock além das guitarras, contra-baixos e baterias. O modo de se espalhar informação, divulgar novos trabalhos,criar novos grupos e fazer música, tudo muda, mas tudo segue de pé. Adequado aos novos tempos, com cada vez mais referências, o rock vive, sendo nos porões ou na superfície.

Centro Cultural São Paulo e um mês inteiro para talentos emergentes no rock nacional

Após o sucesso do ano passado, o Centro Cultural São Paulo volta neste ano com o projeto Centro do Rock. Durante todo o mês de julho (período conhecido no Brasil por abrigar o "dia internacional do rock", vulgo 13 de julho) bandas se apresentarão na icônica Sala Adoniran Barbosa. As apresentações acontecem de quarta à domingo, durante todo o mês, e são gratuitas.

Se apresentarão artistas de todo o país. Alguns dos nomes que estão na programação: Carne Doce, Papisa, Bike, Cora, Marcelo Gross, Picanha de Chernobill, Kalouv, Far From Alaska, Gorduratrans e muito mais. A curadoria é de Alexandre Matias, jornalista que cobre música há mais de 20 anos e atua fortemente na cena com o blog Trabalho Sujo, além de também exercer curadoria no Teatro do Centro da Terra. 

Confira a programação completa: 

Far from Alaska (RN) + Deb and the Mentals (SP)
dia 4/7, quarta

Giallos (SP) + Kalouv (PE)
dia 5/7, quinta

Papisa (SP) + Cora (PR)
dia 7/7, sábado

Stratus Luna (SP) + Bombay Groovy (SP)
dia 8/7, domingo

Oruã (RJ) + Goldenloki (SP)
dia 12/7, quinta

Sky Down (SP) + Lava Divers (MG)
dia 13/7, sexta

In Venus (SP) + Mieta (MG)
dia 14/7, sábado

Gorduratrans (RJ) + Def (RJ)
dia 15/7, domingo

Black Pantera (MG) + Molho Negro (PA)
dia 19/7, quinta

Máquinas (CE) + Astronauta Marinho (CE)
dia 20/7, sexta

Carne Doce (GO) + Bruna Mendez (GO)
dia 21/7, sábado

My Magical Glowing Lens (ES) + Bike (SP)
dia 22/7, domingo

Macaco Bong (MT) + Odradek (SP)
dia 26/7, quinta

Picanha de Chernobill (SP) + Marcelo Gross (RS)
dia 27/7, sexta

Frieza (GO) + Basalt (SP)
dia 28/7, sábado























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