Entrevista: A pluralidade de Luíza Boê

Foto: Almir Vargas

Luíza Boê marca sua estreia, com disco homônimo, ainda quentinho, na música brasileira. Sim, é verdade, é o lançamento da cantora e compositora mineira-capixaba, radicada no Rio, que assina as 10 faixas do álbum. O registro tem produção de Hugo Noguchi e participação de Posada em uma das faixas.

Composições maduras e diversas fazem com que o ouvinte duvide que é realmente uma estreia. E o ritmo, qual é? Bem, não há alguma definição concreta. Entre as 10 faixas você encontra samba, rock, sutileza, melancolia e intensidade. Luíza ressalta, com o lançamento, que misturar faz bem.

Mas, quem melhor para explicar o álbum que a própria Luíza Boê? A cantora nos contou sobre o disco, composições, carreira e planos de estrada. Confira entrevista:

EB: Luíza, ouvindo o seu disco percebi uma pluralidade muito legal na sonoridade em geral. Tem muito solo de guitarra mas também tem uma calma em algumas canções que beira o samba. Estas misturas são naturais, as músicas nascem assim ou existe uma interferência no processo de gravação, do produtor, do pessoal da banda, etc?
Luíza: Todas as músicas eu compus voz e violão, mas cada uma já vinha com uma intenção de levada, de arranjo específica. Para algumas músicas, enquanto eu compunha, eu já imaginava como seria a guitarra. Em "Engodo", por exemplo, o solo é exatamente o que eu cantarolava e foi lindo ouvir a gravação da guitarra, aquela ideia virando realidade.

Meus amigos, que conheceram as músicas quando elas ainda eram voz e violão, com a guitarra cantarolada, se emocionaram no primeiro show, quando ouviram a guitarra real. Mas também tem muito dos músicos que participam.

Os convites eram feitos com um direcionamento, já entendendo que a intenção da música tinha a ver com o estilo da pessoa, mas as expectativas eram superadas! Por exemplo, em "Lopes Quintas", os arranjos do 7 cordas e do bandolim transcenderam em beleza o que eu esperava!

EB: Uma das canções mais melancólicas é "Postal". Qual a história por trás da letra desta música?
Luíza: A ideia de Postal veio de um cartão postal nunca enviado. Postal é uma música sobre não conseguir esquecer um amor, mesmo que tudo em volta esteja dizendo: deixe ir; é sobre continuar carregando esse amor - e todas as mágoas em torno dele - dentro de si, mesmo que você tenha partido para o outro lado do oceano; é sobre buscar algum sentido novo, para aquilo que já é muito bem conhecido. Mas você não consegue fugir. E você fica.

EB: O disco é composto por 10 canções autorais. Desde quando você escreve e o que é compor para você? No release você fala que este disco é um resgate de você mesma, gostaria que você me explicasse melhor isso também.

Luíza: Eu comecei escrevendo poemas, quando tinha nove anos. Sempre gostei de cantar, então adorava cantarolar algumas letras e melodias que eu fazia, mas comecei a compor quando aprendi a tocar violão, aos 17 anos. Desde então, compor pra mim tem a ver com um processo de cura, de silenciar para deixar emergir o que está dentro e também de manifestação espontânea da minha essência criativa.

Sinto que esse disco é um grande resgate de mim, porque gravar um disco é um sonho meu antigo, da infância, e eu levei anos para entender que ele tem força de construção, de materialização, que pode ser uma profissão. Então fui buscando em mim, na minha história, tudo que nutriu esse sonho, me inspirou, me fez compor, por isso essa pluralidade rítmica do disco. Foi um caminho para dentro, de auto-investigação, que se estendeu para fora de mim, com muita experimentação.

EB: Este disco esteve sendo feito desde quando? O que foi mais legal no processo de fazer o álbum e o que foi mais difícil?
Luíza: A gravação do disco começou em abril de 2017. O mais legal foi o caminho em si, viver cada etapa, cada descoberta, as pessoas que iam aparecendo e se somando ao projeto. Apesar das intenções bem definidas, não havia uma ideia cristalizada de como o processo deveria acontecer e essa permissividade para a experimentação, para a intuição, foi o que prevaleceu nesse caminho.

Eu tenho minha banda, um power trio, desde outubro de 2016, e não imaginava que mais 10 músicos iriam participar da gravação do disco. As pessoas iam surgindo e cada sim recebido para um convite pra tocar era uma alegria imensa!

A parte mais difícil foi estar fazendo tanta coisa ao mesmo tempo e não poder direcionar minha energia apenas para a gravação do disco e tudo que isso envolve: além de gravar os disco, eu estava fazendo faculdade de Relações Internacionais, escrevendo minha monografia, estagiando em uma ONG de direitos humanos e me preparando para gravar o Lounge, no Canal BIS.

Capa do álbum

EB: Quais suas perspectivas na música? Onde você quer chegar, quais seus objetivos?
Luíza: Sinto que esse primeiro disco 100% autoral é uma grande experimentação, que vem de uma auto-investigação necessária à inauguração de uma nova carreira, para entender minhas possibilidades, me conhecer como artista. O que mais quero agora é fazer muitos shows pelo Brasil, quem sabe também fora do Brasil, mostrar essa trabalho feito com tanto amor e verdade.

Vou continuar compondo e quero fazer parcerias com outrxs compositorxs que admiro. Quero também, cada vez mais, fazer do meu trabalho uma construção artística coletiva, uma união de manifestações criativas, que envolve pintura, dança, audiovisual, teatro. Gosto de perceber a arte como um fragmento de um todo maior, que quanto mais se junta, mais se complementa e engrandece.

Uma amiga artista que trabalha com colagens fez a capa do meu disco, uma pintora que revitaliza roupas de brechó fez uma linha de ecobags com trechos das minhas músicas, uma amiga cineasta fez os clipes. Isso é muito fortalecedor e quero continuar nesse caminho de fazer do meu trabalho algo que une poderes criativos diferentes.

EB: O produtor do álbum é o Hugo Noguchi. Como que você chegou até ele? E o que você tira da presença dele no trabalho, foi mesmo importante?
Luíza: Conheci o Hugo através do Miguel Travassos, baterista da minha banda. O Hugo tem um respeito e uma delicadeza únicos para traduzir minhas ideias e trazer o mundo dele pra construção desse disco, além de ser um músico que eu admiro muito. Um produtor pra quem você fala "Cigana é uma música escorpiana" e ele entende, ele sente e a música vira isso.

Nós tivemos muita sintonia durante todo o processo, uma relação de parceria, de busca pela expressão da nossa verdade. Não foi um produtor que tentou me enquadrar na forma dele de produzir, mas alguém que recebeu as minhas músicas, minhas intenções e somou muito para que se materializassem da melhor forma possível. Ele trouxe muito também do universo musical dele e isso trouxe uma singularidade para as músicas do disco.

EB: Para terminar, teremos shows do álbum? Quais os planos? 
Luíza: Sim! Fizemos o show de lançamento no disco na Audio Rebel, foi lindo! Já temos outros shows marcados no Rio e vamos começar com uma turnê por algumas cidades do Sudeste. A ideia é passarmos por várias cidades do Brasil esse ano, todos os estados possíveis!

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