"Temos muitas portas para abrir pro Rap, quando possível, não pensarei duas vezes em colaborar com isso", diz Rashid

Foto: Daniela Rodrigues

Pouco mais de 10 anos de carreira e Michel Dias Costa, o Rashid, chegou em um lugar de destaque. Vindo de periferia, era frequentador das batalhas de rap, onde, quando garoto, o chamavam de Moska. Hoje, lança o seu segundo álbum de estúdio, resultado de dez anos de batalhas e aprendizados. Rashid é um exemplo de que a música da favela pode quebrar fronteiras.

Desde novembro de 2016 até o final do ano passado, o cantor lançou o total de 8 canções. Este foi o período do projeto "Em Construção", em que os singles eram divulgados em conjunto com vídeos. As oito faixas se juntaram a mais duas e se tornaram "Crise", o dito segundo álbum do rapper.

Rashid se aventura pelas 10 músicas. Contestador, mas também com "um grande coração vagabundo".

 A capa do disco, que mostra o cantor em um trono com a mão no rosto, dá a sensação de dualidade. "Por melhor que você esteja, não significa que não tenha problemas; ou, por mais problemas que tenha, não significa que esteja em queda”, diz o cantor.

Confira abaixo entrevista que o rapper concedeu ao Eufonia:

EB: Estamos vendo o Rap crescer bastante na música nacional. O que o gênero ainda precisa conquistar no cenário brasileiro?
Rashid:  Ainda existem muitas barreiras a serem superadas. A gente vem ganhando notoriedade, mas muita gente ainda torce o nariz.

Acho que uma maior abertura nos grandes e pequenos festivais do país também podem ajudar nessa virada de chave. O fato de o Rap estar transitando mais facilmente entre os ritmos brasileiros com parcerias entre os artistas, tem sido essencial para mudar a visão do público, mas a construção é tijolo por tijolo mesmo, um degrau de cada vez.

Mas creio que o caminho até aqui foi vitorioso e o futuro é bem promissor. Temos grandes artistas, grandes compositores, grandes canções. Acertando um pouco mais a estrutura, chegaremos a uma massa maior sem perder nossa base.

Foto: Tiago Rocha

EB: Na canção "Estereótipo" você fala bastante sobre a vivência do jovem de periferia. É claro que isto ainda é realidade, todo este preconceito, abuso e desigualdade existe e muito. Hoje em dia vemos tanto discurso de ódio na internet, mas, ao mesmo tempo, vemos muita resistência também. Você acha que, nesta questão da periferia, do jovem sofrer repressão, estamos caminhando para uma evolução, ou, no ritmo que vamos, as coisas tendem a piorar?
Rashid: Acho que hoje as coisas são mais vistas, por isso essa impressão de que algo está mudando. A internet potencializa o debate e expõe o conflito, então você vê mais gente falando, mas uma mudança tangível ainda está longe.

Muita gente saiu da casinha com seus discursos de ódio também, então o debate está acalorado.

Mas o país continua racista na sua estrutura e opressor nos seus modos. As mulheres continuam precisando travar uma luta ferrenha por direitos e visibilidade, e pessoas continuam apanhando e morrendo na rua por questões de gênero e sexualidade. A juventude negra continua sendo exterminada e, a cada 2 horas, uma mulher é assassinada. São dados e estudos que dizem isso, então não há uma mudança ainda.

É vital que a gente levante o debate, falando inclusive para pessoas que discordam da gente, porque se não houver ciência do tamanho da treta onde a gente tá metido, não haverá nunca uma ação pra sair disso.

"Ainda temos muitas portas pra abrir pro Rap, nas que eu puder colaborar, o farei sem pensar duas vezes"

EB: Você já tem muita música lançada, mas apenas dois álbuns. Quando que faz sentido lançar um álbum mesmo?
Rashid:  Na verdade, o próprio "Crise" não traz essa pretensão de ser um álbum. Deixei a critério das pessoas o "rótulo" e boa parte delas têm chamado de álbum. Se assim o querem, eu aceito (risos).

Na minha visão, em um álbum as músicas precisam ter uma textura próxima e estar dentro de um mesmo universo, nas composições e no ritmo. Então se imagina aquele lance do artista parando seu mundo durante um determinado tempo pra compor e gravar, o que de fato acontece.

Meus outros lançamentos servem de experimento, tanto de mercado (como foi o projeto "Em Construção") quanto musical, e quando eu encontro um resultado da hora, na minha cabeça, é o momento de trabalhar num álbum. Acho que o álbum é tipo a final de campeonato do artista.

EB: Apenas duas músicas não foram lançadas no projeto "Em Construção", "Música de Guerra" e "Pés Na Areia". Primeiramente, eu quero saber como que surgiu a ideia do projeto e se o resultado foi positivo? A ideia de juntar tudo isto em álbum já existia desde o começo? Rashid:  A ideia nasceu de estudos que a Daniela Rodrigues (minha esposa e empresária) e eu fizemos durante o final de 2016. Entendemos como a cultura do streaming valoriza o single e as playlists (que por sua vez, juntam os singles prediletos de cada pessoa). A partir daí, resolvemos fazer esse experimento, lançar uma música por mês, com clipe ou lyric video e ver como isso influenciaria nos nossos números e público. Capa do álbum "Crise"/Foto: Elias Mast

Logo depois, decidimos que no final, isso se tornaria nosso novo disco, pra que não fosse uma coisa aleatória, só com lançamentos soltos.

O resultado foi incrivelmente positivo, melhor do que esperávamos. E olha que esperávamos bastante coisa hein...

EB:  No disco também há canções românticas como "Química". Como que é escolher a ordem das músicas e como foi para encaixar estas canções mais românticas no meio de faixas tão contestadoras?
Rashid: Para mim é muito natural encaixar músicas românticas entre as outras mais pesadas, porque faço tudo muito baseado na vida, na rotina e no cotidiano. Então é comum você acordar com a mente a milhão, ter um dia estressante ou satisfatório no trabalho, se aborrecer com a política, se encantar com a paisagem na volta pra casa e a noite encontrar a pessoa que você ama. Entende? É o ciclo natural da vida e minha música acompanha isso.

Foto: Tiago Rocha

EB: Faz oito anos desde o lançamento do seu primeiro EP, "Hora de Acordar". De lá pra cá, no que você vê que mais amadureceu? Se pudesse, mudaria alguma coisa dessa trajetória?
Rashid:  Entendo que demorei um pouco pra enxergar o mercado com uma visão de business mais crua. Por muito tempo, quando algo não dava certo, achava que o problema estava na música, mas na maioria das vezes estava na estratégia. Então nos últimos anos minha equipe e eu amadurecemos bastante nesse sentido.

E, claro, nas composições e escolha de quais músicas vão pra rua e quais não. Dói, mas as vezes uma música não é boa o suficiente pra ser lançada e ponto. Se você não entender isso, pode acabar sendo visto como um artista "irregular".

EB: Eu iniciei perguntando sobre o rap, como um todo, mas agora termino perguntando sobre você. Onde você ainda quer chegar, quais suas ambições no âmbito musical?
Rashid: Tenho muita coisa para fazer ainda, muitos palcos para pisar, muitos artistas para colaborar. To estudando minha voz e aprendendo a cantar também, não para me tornar um cantor de melodia, mas para ter um "algo a mais" sempre que a música pedir. Tenho um livro pra lançar esse ano, coisas pra estruturar melhor na minha produtora (Foco Na Missão), e ainda temos muitas portas pra abrir pro Rap, nas que eu puder colaborar, o farei sem pensar duas vezes.


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